Como apresentar a vida de alguém em recortes? Desde a seleção de imagens, textos e lugares já existentes, até a montagem de um outro espaço – para a princípio apresentar a ideia de quem foi ou ainda é – a linearidade de elementos verídicos e históricos já foi rompida, é dado novos significados e percepções múltiplas no momento que a história, a partir das fotografias, se cruza com o presente e cria novos futuros. Assim, se faz um encontro do imaginário e da realidade.
Foto-biografar implica no ato de retratar um perfil através de imagens. Imagens estas que carregam memórias e acontecimentos de que, relativo ao contexto que é apresentado, pode-se criar uma fábula, completamente reinterpretada e revista em novas perspectivas. Isso pode ser realizável através da seleção de arquivos pessoais e transposições de cenas, geralmente encontradas em arquivos pessoais, chamadas ‘fotografia vernacular’. Implica-se que nesse contexto, portanto, a escolha de quem remontará a personalidade e acontecimentos em questão. Em apurar aquilo trazido para dentro da fotobiografia e o que é deixado na gaveta. O trabalho de seleção implica no remonte do tempo e na criação de conexões outras, que ao criar uma nova sequência de fotografias num tipo de álbum montado, as imagens pré-existentes são apropriadas por quem as seleciona. E, além disso, sofrem uma ruptura na veracidade de fatos históricos para ganhar um aspecto fabular que se relaciona com as novas imagens e contextos. Porém, contar uma história a partir de uma perspectiva de fora daqueles acontecimentos é desafiador e envolve a dúvida, a incerteza dos fatos. Além de uma preocupação constante com a narrativa montada, que sempre será apenas uma pincelada da forma daquele sujeito.
Conseguimos sentir novas narrativas e emoções pois as imagens são vivas por si só. Elas ultrapassam as questões de verossimilhança, de pertencimento a tempos e espaços específicos. Eucanaã Ferraz traz em Inconfissões: fotobiografia de Ana Cristina Cesar, que “[…]A fotobiografia – como a morfologia da palavra sugere – guarda uma dimensão narrativa. Mas se é a constituição de um perfil, este é sempre parcial, já que sua composição implica escolhas e, com elas, vazios […]” (Eucanaã Ferraz, 2019). A partir de novas experimentações e buscas da criação em sentidos subjetivos, a imagem é vista por um olhar de ficcionalidade. Mesmo carregando um ponto memorial de semelhança com o passado, os olhos de quem a enxergam estão sempre postos por detrás de uma cortina de idiossincrasias, memórias, vontades e perspectivas únicas. Tudo que carregamos ao ver uma imagem, junto ao que ela transmite por si só e a maneira como se é apresentada, faz com que seja criado um novo campo subjetivo imagético que quebra as barreiras da realidade.
Por outro lado, é aberta novas possibilidades de conhecer alguém e a si mesmo, já que nos entendemos como indivíduos únicos e concomitantemente parte de uma sociedade, através das histórias, culturas e, de mais importante, o contato.
“O vínculo, portanto, potencializa o não classificável, a incerteza, a obscuridade das histórias. O indivíduo anônimo prioriza a flexibilidade de construirmos, interpretarmos e de, substancialmente, delegarmos nossas histórias. O tempo que aqui se contorce também no anonimato provém de alguns vieses que implicam o pré, durante e pós ato fotográfico. Não se trata de negar, rechaçar o tempo histórico, diacrônico e social, de não adotá-lo, e sim, de penetrá-lo pelo imaginário que a fotografia magicamente cria.” (Georgia Quintas, 2016)
Não se trata apenas de procurar maneiras de contar um acontecimento, mas sim pela vontade de se reconhecer no outro e ter a perspectiva de inventar. Inventar pessoas, memórias, lugares e situações que, por conta da construção imagética, a sua realização se torna possível. Passamos, então, a atravessar o campo memorial e pessoal guiado pela vontade de aproximação. Dessa forma, sustentando o vínculo que a construção de afeto permitiu criar.
Ensaio publicado no Trabalho de Conclusão de Curso Pontes intervalares: caminhos para a construção de afeto, páginas 42-46.
Barcelar, Jenis. Pontes intervalares: caminhos para a construção de afeto. Universidade Estadual Paulista (Unesp), 2022. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/238011>
Jenis Barcelar (São Paulo-SP) é artista visual, arte-educadora e poetisa. Plural e em expansão, usa da fotografia e da escrita poética como ferramenta de expressão e reflexão, investigando relações, memórias e conexões interpessoais. Graduada em Artes Visuais pela Unesp e trabalha como artista plástica, poetisa e educadora do ensino não formal. Escreve para o grupo Masticadores Brasil desde 2020 e expôs no Instituto de Artes Unesp como parte de seu TCC Pontes intervalares: caminhos para a construção de afeto na mostra colaborativa “acendendo a luz no percurso dos meus afetos” (2022). Faz parte da coletiva Oscilações Venusianas, que investiga temas como o percurso, o afeto e a saudade em diálogo com questões pessoais e coletivas criando intervenções, livros de artista e projetos coletivos.
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