O último adeus 

A casa era velha, a pintura mal acabada deixava-a com uma aparência pior ainda. Segurava o panfleto na mão, o endereço estava correto. 

“Contate seu ente querido falecido, sessões espíritas com a médium Samantha”. 

Uma senhora de cabelos grisalhos me convidou para entrar. 

— Meu nome é Gabriel, vim por causa desse panfleto. 

— Perdeu alguém? 

— Sim, minha namorada, chamava-se Larissa, ela morreu atropelada voltando para casa semana passada. Quero conversar com ela uma última vez, preciso me despedir. 

Samantha concordou em realizar a sessão espírita. Ela chamou 4 associados, e nós seis sentamos ao redor de uma mesa. Dezoito velas formavam um círculo atrás dos integrantes, formando três círculos no total: A mesa, as seis pessoas e as dezoito velas. 

— Ao chamar os espíritos, eles podem usar qualquer uma das seis portas presentes. Iremos ficar de mãos dadas em um círculo. Não soltem a mão de quem está ao seu lado, se o círculo for quebrado o espirito que tiver sido manifestado não estará mais preso ao outro mundo, e poderá permanecer no nosso. Alguns espíritos fingem não estarem entre nós e tentam desfazer o círculo. Se você sentir o colega ao seu lado tentar soltar a sua mão, segurem firme, me avisem e eu encerro a sessão. Mantenham a mente calma e leve, se deixarem sentimentos negativos como o de pavor, tristeza extrema, ódio, entre outros, dominarem suas mentes, seu corpo ficará enfraquecido e o espirito pode não ir embora no final da sessão. Se eu sentir algo errado, encerramos a sessão. Alguma pergunta? 

           Balancei a cabeça negativamente. Samantha projetou a voz e começou: 

— Espíritos recentes e antigos presentes nessa sala, peço o seu silêncio e que apenas a Larissa, recentemente desarraigada do seu corpo da dimensão dos vivos, comunique-se comigo. Responda-me Larissa, para acalmar o coração enlutado de quem te ama, você está presente nessa sala? 

Nada aconteceu. Mantivemo-nos em silêncio por alguns minutos. Samantha continuou repetindo o mesmo mantra, e depois dele falhar algumas vezes, ela começou a dizer algumas palavras em uma linguagem não compreendida por mim. Aproximadamente uma hora depois do início da sessão, a atmosfera começou a mudar. A sala tinha um ar pesado, sufocante. Senti-me cansado ao ouvir as palavras proferidas, divagava, não conseguia concentrar-me. A sala esfriou levemente, os pelos do meu braço ouriçaram-se, calafrios cruzavam meu corpo inteiro como choques elétricos. Uma leve dor de cabeça recuperou a minha concentração, com pontadas cortando um lado do meu cérebro internamente. Uma garota que estava sentada ao meu lado começou a puxar a minha mão, parecendo querer soltar-se. Segurei a mão dela firmemente. Olhei para o lado e notei uma expressão de medo no rosto dela. Ela encarava todos os presentes ali na mesa, olhos arregalados e expressão clara de confusão. 

— Hihi . – Ela deu uma risadinha, como se houvesse lembrado de uma piada. 

Todos fixaram a atenção nela. Ela sorria de um modo meio robótico, como se um androide estivesse tentando imitar reações humanas. Os olhos dela iam de um lado para o outro rapidamente, encarando todos ali. 

— Eu… Vocês… Onde… 

Samantha resolveu interagir com a garota: 

— Larissa? Está tudo bem, somos seus amigos. Você lembra o que aconteceu com você? 

— Eu estava com pressa, ia começar a chover – ela falava olhando para a mesa como se estivesse tentando lembrar-se – Eu só queria, só queria… – ela começou a lacrimejar e foi abaixando a cabeça lentamente em direção à mesa, deixando seu rosto escondido e apenas as costas de sua cabeça a mostra. 

— Está tudo bem. – Samantha repetia tentando deixar a mesa com um ar mais calmo e tranquilo. 

A garota levantou a cabeça um pouco depois, já não chorava mais, apesar de ter o rosto levemente molhado por não poder usar as mãos para secar as lágrimas. Ela olhou fixamente para mim. 

— Por que você está fazendo isso? 

— Eu não tive a chance de me despedir. 

— Egoísmo, então? 

A expressão séria da garota olhando para mim tirou o chão dos meus pés. Eu tinha ensaiado milhares de coisas que queria dizer, mas congelei com a situação finalmente acontecendo na minha frente. Ignorei a indagação dela. 

— Como é a vida do outro lado? 

-Eu me sinto sozinha. Tudo que eu queria era ter você do meu lado, mal posso esperar para te ver novamente. 

— Nos veremos novamente. Sinto muita falta de você. 

— Quando, Gabriel? Não aguento esperar, preciso de você agora. 

Samantha começou a falar antes que eu pudesse interagir. 

— Espíritos presentes, agradecemos o seu contato, agora precisamos nos despedir, adeus. 

Soltamos as mãos e desfizemos o círculo com a indicação do fim da sessão. Fiquei um pouco contrariado: 

— Por que encerrou a sessão? Ficamos na mesa por mais de uma hora sem acontecer nada, e quando conseguimos um contato você tirou a Larissa do círculo. 

— Não era a Larissa. 

— Como não? Como você sabe? 

— Era alguém tentando enganar você. Existem espíritos que escolheram ficar no plano mais próximo do nosso, se divertindo com nossas interações. Aproveitam toda oportunidade que conseguem tentando fazer humanos realizarem coisas para eles, se divertem com isso. 

— Como assim, o que ele queria que eu fizesse? 

— Queria que você se suicidasse. Já vi acontecer antes, quando casais tentam o contato aparece esse tipo de espírito, dizendo querer que os vivos se juntem a eles, fingindo ser a pessoa amada. Sinto muito Gabriel, mas a Larissa não quis aparecer ou não está em um plano onde isso é possível. Se ela quisesse já teria se mostrado. 

— Não podemos tentar novamente outro dia? 

— Eu não continuo trabalhando quando o espírito recusa o contato. Se tentarmos novamente é muito perigoso. Quanto mais a chamamos, maior a possibilidade de aparecerem espíritos indesejados. Posso passar contatos de pessoas que fazem tentativas extras, mas eu fortemente desaconselho. 

— Tudo bem, eu entendo. 

Paguei a consulta e fui embora. Tinha acreditado em tudo que a médium havia dito, ela não tinha motivos para mentir. Era mais lucrativo para ela continuar tentando contato com a Larissa, dizer que era perigoso e improvável fez eu me conformar com a situação. Minha namorada estava morta e eu nunca mais a veria novamente. 

Ao chegar em casa, sentei na cozinha olhando para a parede, refletindo sobre tudo o que aconteceu. Deitei na cama em seguida. Ouvi um barulho estranho, como se alguém estivesse mexendo nas coisas no quarto ao lado. Acendi a luz e fui checar. Minhas pernas começaram a falhar com o que vi. Havia um retrato com uma foto minha abraçado com a Larissa, a lembrança da nossa interação voltou-me à mente.  

“Foto de casal, Larissa? Que presente brega.”  

“Quero ver esse retrato na tua mesa Gabriel, se reclamar faço você usar uma camiseta com a minha cara, daí você descobre o que é breguice.”  

Segurando o retrato com um sorriso no rosto, lá estava ela, a Larissa. Ela colocou gentilmente o retrato de volta na mesa e abraçou-me. Retribuí o abraço, não segurando mais as lágrimas. Ela ficou na ponta dos pés e me deu um beijo na bochecha antes de virar-se e ir embora. Tentei segui-la, mas ela desapareceu ao sair da minha visão. Deitei-me novamente, adormecendo depois de alguns minutos. Ao acordar, o lado desocupado da minha cama estava marcado, como se alguém tivesse dormido ao meu lado naquela noite. Chorei, sabia que aquilo era um adeus. Eu nunca mais a veria novamente. 

 


Paul Blank é professor de inglês e português. Ama livros desde criança, escrevia vários contos por diversão. O gênero favorito dele é horror e mistério, aos 35, ele terminou seu primeiro livro, e está trabalhando no segundo. 

pauloblank23 


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