Amor em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Quando o filme Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, foi indicado ao Oscar de 2023, foi também relançado em alguns cinemas do mundo para as pessoas terem a oportunidade de assistir, não que não houvesse feito sucesso com o grande público por ser rejeitado, ele simplesmente não foi assistido, e grande parte das pessoas sequer sabiam de sua existência, dessa forma, depois que dois cinemas de Curitiba anunciaram o relançamento, eu e uma amiga resolvemos ir. 

Eu não sou crítico de cinema, então não vou fazer o clássico cabeçalho com ficha técnica e sinopse oficial, quero só compartilhar uma mensagem que peguei do filme, por isso vou direto a isso, então, daqui em diante, spoilers.  

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, é uma grande alegoria sobre uma mãe conservadora, heteronormativa e falocêntrica que está aprendendo a aceitar que sua filha não é uma espécie de fotocópia dela, mas essa diferença não muda para que elas continuem alinhadas no que realmente importa, essa é uma alegoria que funciona nas duas camadas. A alegoria em si é importante e bonita em um filme que é excepcional, mesmo se ela for ignorada. Poderiam dar dois grandes filmes de uma camada só, mas se juntam para formar um indicado ao Oscar. 

No filme vemos uma família desmoronando por falta de amor. O marido da protagonista propõe divórcio, a protagonista não consegue mais se relacionar com sua filha, que se descobriu lésbica, e também não aceita a sua namorada como um membro da família, se referindo a ela como a grande amiga da Joy. Evelyn, a protagonista, prefere pensar que sua filha fez uma tatuagem e está namorando uma menina por estar sendo controlada por uma entidade maligna do multiverso, não por gostar de mulheres e de tatuagens, mas isso não se mede só pelo fato de ela ser uma senhora homofóbica, mas pela sua visão estreita de mundo e sua incapacidade de entender relacionamentos fora da heteronormatividade, e mais que isso, incapaz de entender um relacionamento sexual que não seja falocêntrico. 

Durante todo o filme vemos objetos fálicos em cena. Às vezes gritantes, como nos prêmios da funcionária da Receita Federal, às vezes discretos, como latas de lixo que em outro filme não iriam querer dizer nada, mas aqui dizem tudo. Até no outro universo, onde Evelyn está bem com Joy, o universo dos dedos de salsicha, o sexo não é feito com os órgãos genitais e sim com os dedos, ou seja, o falo está presente na relação. Evelyn não é simplesmente uma pessoa que quer preservar os seus bons costumes, mas uma pessoa com uma visão estreita de mundo. 

O mesmo acontece quando o marido dela pede o divórcio, o argumento dela é simples. Nós fizemos um juramento sagrado. Não é o amor, é o juramento. A relação familiar desprovida de amor e fechada em uma visão estreita de mundo leva a família ao colapso. Faz o marido pedir o divórcio e, no Universo A, faz com que ela pressione tanto a filha ao ponto dela se destruir e ter sua mente espalhada por todas as Joy’s do multiverso, e isso também é uma alegoria, já que, diferente da visão estreita de Evelyn, Joy é capaz de olhar o mundo por diferentes perspectivas e não é falocêntrica. A virada da mãe acontece quando ela mostra a Rosquinha da Verdade, que através da combinação das mãos de ambas, o objeto pode ser observado por meio de um buraco com formato vaginal.  

Joy passa o filme todo, e o período anterior a ele, procurando no multiverso, uma Evelyn que pudesse passar pelo mesmo processo que ela, para assim não estar mais sozinha. Joy não quer se livrar da mãe, só quer uma mãe que possa acolhê-la por quem ela é e continua tentando, não importa quantas vezes a mãe se mostre resistente, não importa em quantos universos ela precise procurar, e é só quando Evelyn passa pelo mesmo processo, quando ela tem sua mente fragmentada em todas as suas versões pelo multiverso, que ela começa finalmente o processo de enxergar as coisas de outras perspectivas, mas ainda não com uma visão de mundo tão larga como a da filha, o que fica evidente nas capacidades de uso dos poderes do multiverso. 

É assim que Evelyn entende finalmente que aquele problema era só dela e da filha, e não envolvia o seu marido. Evelyn e Joy eram parecidas demais e sua luta é belicosa, mas com o pai/marido é diferente, a ferramenta teria que ser o amor. Logo que entende isso, Evelyn recupera sua admiração pelo marido, e com isso, também seu amor, salvando assim seu casamento, e mesmo sem entender completamente a filha e sua sexualidade, ela decide mudar sua luta, parar as brigas e lutar com a arma do marido: O amor. 

Mesmo sem se desconstruir por completo, mesmo sem um conhecimento secreto da Rosquinha da Verdade, ela entende que ama a filha e isso, no momento, é o suficiente. Quando Joy age agressivamente, Evelyn responde com amor, isso constrange a filha que tenta fugir pelo multiverso, mas sua mãe também está lá, e não importa aonde ela vá, a mãe está lá com amor, o que no fim, era tudo o que a garota queria. Assim, Evelyn também é capaz de restaurar o relacionamento com a filha e aceita a nora. 

O filme tanto fala sobre visão de mundo e capacidade de acolher em amor e não sobre entendimento ou idade, tanto que, ao final, quando a protagonista apresenta a nora para o idoso patriarca da família, ele se impressiona, mas não se choca. Certamente ele tem uma visão de mundo ainda mais estreita que a de Evelyn e ainda menor capacidade de entender aquilo, mas diferente dela no começo do filme, ele já estava pronto para receber o que viria da neta em amor. 

É evidente que precisamos nos desconstruir e ampliar a nossa visão de mundo, mas quando se trata do outro, mais importante do que isso, é acolher em amor, inclusive com um membro da nossa família, mais ainda quando mora na nossa casa. O mundo já é mau o suficiente com quem foge dos padrões vigentes, essa pessoa merece se sentir segura, acolhida e amada dentro da sua própria casa. 

Na minha interpretação, para Daniel Kwan, o diretor do filme, o amor é tudo, e é este tudo que deve estar em todo lugar ao mesmo tempo. 

 


Lasso Sant’Anna é Presbítero, professor de Teologia, cursa Bacharelado em História na PUCPR, Especialização em Capelania e Aconselhamento em EaD na FAPABAR e é autor de O Cristão e A Criação: Por Uma Teologia Pentecostal em Harmonia com o Meio Ambiente (2020). É aficionado por Cinema e Arte no geral, jogador de RPG, escritor semiamador, fotógrafo ainda pior e apaixonado por bicho 

@Lasso_Santanna 


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