Acordei. Durante o sono fui mapeando na minha memória, entre sonhos e pesadelos, o dia que herdei esse jeito de compreender o amor. O texto da Conceição Evaristo ficou ecoando na minha cabeça. Diferente do conto, eu lembrava a cor dos olhos da minha avó Teresinha. O conto me fez chorar porque eu nunca entendi o que aqueles olhos que me atravessavam diziam. Vovó tinha olhar de horizonte, sempre parecia que olhava para algo atrás de nós. Ficou órfã ainda criança. Sofria maus tratos da parte da mãe adotiva, e compreendia no pai adotivo um rastro de afeto e identificação. Ele vendia ervas numa pequena barraca, vovó aprendeu a curar mulheres com inflamações no útero e aborto com ele. Vovó casou-se cedo com um homem alcoólatra, violento e egoísta. A casa da minha avó tinha cheiro de solidão e gosto de cinza, era como mastigar as sobras de um cinzeiro. Minha mãe repetiu a herança e mora na mesma casa que o meu pai. Eles são separados nos corpos e amparados da chuva pelo mesmo teto. O único homem que a minha mãe amou foi para São Paulo e pediu para ela esperar por ele, trocavam cartas e um dia as cartas pararam de vir com frequência. Mãe cansou de esperar e se casou com meu pai. Quando o seu amor volta de São Paulo eu estou no ventre dela. Os dois choram pelo amor perdido. Queria estar fora da barriga da minha mãe nesse momento, para abraçá-la. A esperança no amor acabou para a minha mãe com esse reencontro. Eles abotoaram a camisa do tempo. Quero desfazer essa herança de amor como algo que machuca e que eu devo permanecer. Mas. Não encontro os papéis. Como vou rasgar, queimar e cuspir nessa herança? Como se apaga uma herança do sentir? Retorno à minha avó, Teresinha, e a minha mãe, para que as ervas sejam capazes de curar as nossas inflamações da alma. Que eu possa Mãe e Vó: Penetrar nas entranhas dos teus silêncios para fazer da mudez
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Para novos dias.
Li Vasc. (1983) é artista visual e Mestre em Literatura e Interculturalidade pelo PPGLI(UEPB). Considera que toda palavra é imagem. Passou a captá-las das ruas, criando uma espécie de letreiro/poema. Para a artista, toda obra inicia na palavra, nos rascunhos e nos gestos, mas é na fotografia onde investiga um espaço artesanal de criação. Atualmente utiliza as raízes das plantas que curam abortos e inflamações vaginais como metáfora de cura para as mulheres que vivem em relacionamentos abusivos. Como deriva dessas experimentações, produz garrafadas com raízes e cascas, cujos rótulos recebem poemas oriundos dos relatos das violências de gêneros e abusos sofridos pelas mulheres da sua história de vida.As técnicas fotográficas que tem como base o uso da botânica a exemplo da cianotipia ( impressão de ferrocianeto com a luz do sol na cor azul) e fitotipia ( impressão fotográfica diretamente na folha das plantas por processo de desbotamento da clorofila e luz solar), convergem com o tema caro da artista, o uso das plantas medicinais como uma forma de curar o passado.
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