Toca o telefone.
- Ei, tudo bem? Desculpa, eu sempre ligava pra minha mãe enquanto fazia o almoço, pra conversar sobre as coisas… pedir uma opinião… Hoje eu não sabia pra quem ligar e estou com dificuldade pra escrever um texto. Me ajuda?
Espera-se de um texto curatorial que este funcione como um guia, não é? Uma espécie de mapa para navegar pela proposta expográfica. Mas por sorte ou infortúnio, ainda que levante a mão para dizer, não consigo esticar o dedo para apontar um caminho.
Entre ser mãe e ser artista, sem a ajuda da minha mãe falta tempo para pensar no que eu estou fazendo. Eu ando preocupada com a pintura que eu tenho que terminar e já é quase onze horas, ele tem que almoçar pra ir pra escola. Eu coloco a carne para dourar, estou cortando a cebola e ele sobe no sofá, está prestes a pular de cabeça para fazer uma cambalhota e eu grito: fica quieto menino!
A água ferveu, despejo, fecho a panela. Pronto!
A carne está sem gosto e não sei se o que me fez chorar é a cebola cortada na tábua ou a expressão dele, cabisbaixo, indo pro quarto: mamãe, gritar não é legal.
Faltou tempero.
A minha mãe é que sabia fazer carne de panela. Quando eu engravidei ela disse pra eu não me preocupar, ela me ajudaria. Ela me ensinaria tudo o que sabia! Eu te contei que foi ela que me ensinou a pintar?
Um dia li que para contar com sucesso uma história através de uma única imagem, precisamos capturar o momento gravídico – uma cena que contenha todos os elementos necessários para a construção de uma narrativa. Seria o processo criativo um trabalho de parto?
Por esse caminho, poderia lhe dizer com segurança que nas minhas pinturas existem dois corpos: um deles é filho, o outro é matriz. Nem sempre é clara a presença deles; ainda que um esteja evidente, às vezes precisamos dar a volta na imagem para encontrar o outro escondido no miolo de uma pincelada.
Parece que estou conseguindo costurar as ideias, meu trabalho é francamente autobiográfico e aqui eu falo da filha que está aprendendo a ser mãe do filho sem se perder e da filha que perdeu a mãe logo quando começava a entendê-la. Já sei, são todos autorretratos!
Não!
Nesse ponto, acho que me enganei! O que precisou ser cosido não sou eu; é ela em quem me fiz, de quem me fiz ou que me fez? Não sei dizer… Tão pouco sou eu o que precisou ser cozido, ele é o que se fez de mim, se fez em mim, ou foi eu que o fiz? Também não sei dizer…
Bom, não é só a minha cabeça que ferveu, já faz alguns minutos que a panela pegou pressão, preciso desligar.
Ada Medeiros
é artista visual, natural de Além Paraíba, MG, vive e trabalha em Belo Horizonte. Integra o conselho editorial da Revista Trama (ISSN 2764-0639) e sua pesquisa contempla experimentações mais frequentes em pintura à óleo e aquarelas, desenho e fotografia, porém, por vezes, transita pela escrita e o audiovisual. Investiga a existência através das visualidades, numa busca obsessiva por atentar-se para a finitude da vida e a fragilidade do ser. É graduada no Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design pela UFJF e desde 2018 tem participado de mostras coletivas como as exposições Dimensões do Diálogo (Forum da Cultura, UFJF), Obsessões Plásticas (CCBM, Juiz de Fora) e + Mulheres (Hiato Galeria, Juiz de Fora)
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