Arte, Cultura e a lógica de consumo: apoie artistas locais!

Em um cenário global onde o consumo desenfreado e a cultura de massa exercem uma influência avassaladora, é imperativo ressaltar a importância do apoio à arte e à cultura como um suporte para o desenvolvimento e preservação de uma importante potência humana.

Existem muitas implicações em suprimir o caráter crítico e a diversidade de possibilidades de expressão nas artes visuais, e, entre tais implicações, há um destaque especial para a dessensibilização das pessoas diante do fenômeno da arte. Esse é um processo que contribui para a consolidação de um modo de pensar pautado no consumo, esvaziado de suas potências críticas, estéticas e, em última análise, que padroniza os modos de ser no mundo. Aliás, de certa forma, esse é o papel da cultura em uma sociedade neoliberal no capitalismo tardio: anestesiar as pessoas com a falsa impressão de que estão no centro de um processo coletivo que as atende em um nível individual. Tenho a impressão de que nem mesmo Theodor Adorno poderia imaginar que uma tecnologia tão disruptiva quanto as redes sociais surgiria e encontraria a lógica descrita por ele em sua obra “A Indústria Cultural” como um dedo se encaixa no nariz.

Se em seu tempo Adorno discutia como a cultura de massa é produzida em série, padronizando e comercializando a arte para atender aos interesses do capital, hoje me pergunto o que ele escreveria sobre as relações estabelecidas com a arte por meio das novas mídias. Se em sua época já havia uma natureza de propósito distorcida, sobretudo na elaboração de produtos artísticos e culturais, hoje nos deparamos com a sua consolidação como algo tão banal quanto o entretenimento. Através dos celulares, vemos a arte reduzir-se à sua capacidade de estimular visualmente as pessoas de modo a mantê-las distraídas, com mais tempo de tela e direcioná-las para a compra de alguma futilidade produzida em larga escala. Nas redes, nossa expressão artística perdeu quase completamente a capacidade de provocar reflexões profundas e questionamentos sobre a sociedade e a condição humana, tornando-se não só mais um produto de consumo no lugar de uma expressão genuína da criatividade humana, mas também transfigurou suas atribuições semânticas em mero entretenimento. Por outro lado, para preservar a diversidade e a autenticidade das formas de expressão artística, precisamos ter em mente que é fundamental investir no apoio à arte e à cultura produzidas em um nível local. Determinado investimento não apenas enriquece a vida cultural de um bairro ou uma pequena comunidade, mas promove a compreensão mútua e a tolerância entre diferentes grupos e culturas, como já defendido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu em suas obras sobre o campo cultural. A arte e a cultura desempenham um papel central na construção de identidades individuais e coletivas, promovendo um diálogo intercultural essencial para o fortalecimento dos laços sociais, e, para além das estruturas sociais que pautam o consumo em nossa sociedade, devemos entender que esse jogo pode ser jogado de várias formas.

Ao apoiar instituições culturais, projetos artísticos autorais, espaços alternativos de arte e cultura, teatros e, especialmente, artistas independentes, estamos investindo não apenas na preservação da história e da diversidade cultural. Estamos oportunizando novos olhares sobre a vida, sobre o mundo e sobre como ser no mundo. Além disso, apoiando artistas e instituições culturais locais, ajudamos a manter uma cadeia de cultura que contribui, inclusive, para que pequenos artistas possam viver de seu trabalho. Em outras palavras, existe uma diferença substancial entre o pôster industrializado de um blockbuster norte-americano qualquer que você compra na Amazon e uma compra de mesmo valor de um print de um artista do seu bairro que está começando sua carreira.

Por outro lado, é claro que garantir que a arte e a cultura permaneçam acessíveis e relevantes para todos é necessário haver um compromisso sério com políticas culturais inclusivas e democráticas. Isso implica no financiamento adequado de iniciativas culturais independentes, o apoio a artistas emergentes e marginalizados e a promoção do acesso equitativo a recursos e espaços culturais através do Estado. Afinal de contas, se não é possível pensar um projeto de cidade sem um projeto de cultura, quem dirá um projeto de país.

Enfim, neste texto, não quero parecer que estou transferindo para o indivíduo a responsabilidade sobre o financiamento ou sobre as condições de produção de arte e cultura de artistas, escritores e trabalhadores da cultura em geral. Isso é papel do Estado em uma sociedade politicamente saudável. Entretanto, não vivemos em um mundo ideal. Se o apoio financeiro à arte e à cultura é essencial para a preservação de nossa humanidade em um mundo cada vez mais dominado pela uniformidade cultural capitalista, se as regras do jogo estão dadas em uma realidade imediata, precisamos jogar o jogo pelos nossos. Apoie seus amigos artistas. Apoie iniciativas culturais autorais. Nos fortalecendo enquanto classe, quem sabe algum dia teremos mais condições de mudar as regras desse jogo.


Frederico Lopes

é artista e educador, graduado em artes pela Universidade Federal de Juiz de Fora, especialista em gestão cultural pela FAGOC. Possui treinamento profissional em conservação e restauro de papel pelo LACOR/MAMM-UFJF. Atuou no setor de curadoria e expografia do Museu de Arte Murilo Mendes de 2013 a 2017. Integrou a equipe de implementação do Memorial da República Presidente Itamar Franco, onde trabalhou na curadoria e na coordenação da divisão de educação até 2020. É fundador da Instituição Cultural Bodoque Artes e ofícios (2012), da Revista Trama (2019), do Museu de Artes e ofícios de Juiz de Fora (2020) e do Laboratório de experimentação em artes visuais e design (ARTELAB). Foi membro do conselho curador do MRPIF e suplente da vice-presidência do Conselho Municipal de Cultura na cadeira de artes visuais. É sócio honorário da Instituição Cultural Estação Canelas (Portugal). Também atuou como designer na editora Harper Collins (2022 – 2023). É autor do livro: Ensaios sobre Arte e Cultura (2022)


Assine a nossa newsletter por apenas R$10 por mês e receba mensalmente edições temáticas por e-mail

Assine nossa Newsletter!

* indicates required

Assinando nossa newsletter, você contribui diretamente para a continuidade dos trabalhos da Trama e das ações culturais da Bodoque!


Esse espaço bacana de apoio e fomento à cultura pode mostrar também você e a sua marca!

Agora você pode anunciar seus produtos, marca e eventos na Trama em todas as publicações!

Para se destacar em nossa plataforma, você pode escolher de uma a quatro edições do programa de parceria Tramando. Isso significa que todas as publicações contidas nas edições selecionadas irão destacar aqui a sua marca, logo após cada texto e exposição. Os preços variaram de R$ 40,00 a R$ 100.

Basta entrar em contato conosco pelo WhatsApp (32) 98452-3839 ou diretamente na nossa página do Instagram para adquirir seu espaço!

Clique na imagem para mais informações.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *