talvez crescer seja sobre seguir mesmo com o coração dilacerado,
porque às vezes é preciso deixar com que o sangue se torne rastro
e abraçar o escuro como quem tem fome.
talvez crescer seja sobre deixar a morte se fazer presente
e dar de comer àquilo que o estômago grita de tão indecente.
talvez crescer seja sobre caminhar com a dor
até farejar o que me mantém viva.
é sobre atravessar o inferno como quem não teme a vida,
porque crescer às vezes é voltar no mundo dos mortos como quem quer reaprender a viver.
e perguntar – será que um dia eu vou aprender?
crescer é o medo soprando em meu ouvido que talvez eu não esteja pronta,
mas crescer é entender que talvez eu nunca esteja.
então, crescer talvez seja sobre habitar a incerteza
com um corpo ingênuo e cego pela busca da certeza.
porque é preciso fazer a dúvida uma morada,
mas trocar de casa quando ela estiver falando mais alto
que o pulsar do coração.
talvez crescer seja sobre aprender a hora de caminhar
e se colocar pra dormir
mesmo que eu não tenha um colchão.
talvez crescer seja sobre ser casa
mesmo quando eu só sei ser corpo
e desejo.
corpo-casa.
mas crescer talvez seja sobre se agarrar naquilo
e naqueles
que nos dão casa quando a gente não sabe ser a nossa própria.
porque crescer também é sobre encontrar um lar nos outros
e deixar com que eles nos mostrem quando eu não sei.
talvez crescer é aprender a buscar a terra firme
como quem sabe mergulhar nas águas mais profundas do oceano-eu.
é buscar na neblina a clareza,
mas aprender a ver beleza no escuro ao me anoitecer.
porque crescer talvez seja sobre não tentar tampar as fissuras
e deixar com que elas me amanheçam.
é caminhar mesmo com a visão turva,
mas aprender a hora de parar
ou de correr.
é sobre caçar como quem tem pressa de encontrar a presa,
mas não se fazer presa para o tempo.
é entender que as vezes esperar o outro dia
é o melhor que podemos fazer,
mas não fazer da espera um edifício.
talvez crescer seja sobre aprender a hora de dar lugar pro vazio
e chamar suas sombras para tomarem um chá
ou um vinho.
talvez crescer seja sobre chamar a solidão pra dançar
e fazer da vida uma apresentação,
mas não ficar só no ensaio da anunciação.
porque é preciso limpar as lentes,
mas não evitar a sujeira.
talvez crescer seja sobre constantemente ter que trocar de pele.
é deixar com que apareça escamas
e fazer das brechas
um respiro.
porque crescer também é sobre aprender a respirar.
talvez crescer seja sobre encontrar uma antiga roupagem no final da gaveta,
lembrar como gostava dela,
mas não a forçar a caber.
porque crescer é vivenciar os lutos da nossa própria carne
em êxtase
e efêmera.
é não ceder ao pavor que é viver,
porque “querer” às vezes é tudo o que você precisa pra começar a rugir.
talvez crescer seja sobre se sentir pequeno demais,
ou grande demais
mas é aprender a flexibilizar a expectativa e o ideal
que cravamos com unhas e dentes em nosso corpo literal.
talvez crescer seja sobre deixar de ser
para tornar-se.
torna-se o quê?
eu não sei.
pra crescer, às vezes não é preciso saber.
porque querer saber demais,
ofusca o que já é.
Ana Clara Reis
é mineira, gosta de vinho barato e música boa. É graduanda de psicologia em Juiz de Fora, é artista, artesã e dá palavra àquilo que o corpo experimenta. Acredita na possibilidade criativa da arte como forma libertadora e expressiva de ser em nós, onde o potencial criativo de cada um, ao ressignificar, experimentar e criar, transforma a realidade de si e do mundo. E nesse grande tecido de afeto que se cria, ela comunica a psicologia com a arte, a escrita e a política, onde o compromisso é com a transformação, liberdade e saúde coletiva.
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