A PL 1904/2024 e as novas direitas: o caso da nova resistência 

Nos últimos dias presenciamos nas redes sociais e na mídia tradicional uma intensa movimentação de grupos de diferentes espectros ideológicos a respeito do Congresso Nacional ter aprovado, no dia 12 de Junho, – de modo curiosamente instantâneo em uma votação que durou segundos – a tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei 1904/2024. O PL tem como autor o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e possui como objetivo punir mulheres e meninas – e demais pessoas que gestam – que fizerem o procedimento de aborto após as 22 semanas de gestação. A pena seria a reclusão entre 6 a 20 anos, incluindo casos de estupro – pena essa maior que de seus estupradores. Vale ressaltar que o Decreto-Lei 2.848 de 1940 já delimitava os casos nos quais o aborto seria permitido no Brasil e os casos de estupro, bem como risco de vida à gestante, estavam inseridos. No ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) ampliou outros casos para a interrupção – como por exemplo, de fetos anencefálicos.  

Após os quatro anos de governo Bolsonaro e da naturalização dos discursos da direita, especialmente da Nova Direita – pró mercado financeiro e adepta de um conservadorismo extremo -, podemos observar que mesmo com a eleição de 2022 e a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o modus operandi fascista de ataques via redes sociais se intensificou, assim como também de articulação por meio do Congresso Nacional colocando em pauta políticas públicas contrárias aos direitos humanos. Não houve recuo na atuação da extrema direita e nem derrota na prática, pois continuam pautando os debates públicos. Além disso, podemos observar o mesmo quando se trata dos novos tipos de direita que surgiram no Brasil pós crise de 2008 e ascensão do anti-petismo.    

O movimento abordado aqui será a Nova Resistência que surgiu em um período de efervescência da crise política no Brasil em meados de 2014/2015 no Rio de Janeiro e possui sua origem nos primórdios das redes – o Orkut – onde reuniam jovens que já conheciam a figura de Olavo de Carvalho, porém não concordavam com o “super herói” da direita bolsonarista. As coisas ganham forma a partir dos Encontros Evolianos, tendo seu primeiro no ano de 2012. Nesse encontro se reuniam pesquisadores e acadêmicos, bem como simpatizantes das ideias do autor tradicionalista Julius Evola. Muitos ali tiveram suas ligações e participações com o que eles chamam de terceira posição – um nome mais discreto para Fascismo/Nazismo. O que viria a ser a NR foi fruto de um racha de seguidores no Brasil do filósofo russo Alexander Dugin – fundador do Partido Nacional Bolchevique e principal ideólogo do Neoeurasianismo. 

O que defendem é a Quarta Teoria Política ou Quarta Posição desenvolvida por Dugin. O filósofo parte do princípio que é necessário negar todos os aspectos da modernidade Ocidental e manter aquilo que há de mais tradicional em movimentos que tentaram enfrentá-la, como o Fascismo e o Marxismo. Porém em seus escritos é possível identificar um apelo muito maior ao Fascismo, dado o seu passado em grupos fascistas da Rússia. Essa teoria propõe combater o neoliberalismo através das teorias do conservadorismo do início do século XX – utilizando autores como Heidegger, Oswald Spengler, Carl Schmitt e outros que apoiaram o nazifascismo. Ao mesmo tempo em que busca em autores que criticam o capitalismo – como os marxistas – base para se contrapor ao imperialismo, individualismo e a exploração. 

Como adeptos de um Fascismo supostamente repaginado, rejeitam o progressismo ou qualquer projeto que tenha como objetivo romper com as hierarquias consideradas “naturais” – como o patriarcado. Portanto, acredita que a resposta para o combate às mazelas da pós-modernidade em que vivemos é o retorno às tradições pré-modernas. A geopolítica também é uma parte importante de toda essa “salada teórica”, pois compreendem que o Ocidente e seu expansionismo – bem como sua “degradação moral”, utilizando termos como “agenda woke”  – é algo que precisa ser contido. Enxergam os Estados Unidos como a nação que representa tal agenda e por isso adotam o discurso anti imperialista. Por outro lado, a Rússia (país de origem de Dugin) e o sul global seriam os protagonistas da defesa da tradição e dos costumes originários. Assim, acreditando que há não apenas uma guerra entre nações, mas entre culturas.  

Ao contrário do escritor pseudo filósofo da Virgínia, que acreditava que as elites globalistas defendem um projeto socialista patrocinando o que seria o “marxismo cultural” e um status quo esquerdista, a NR foca sua crítica ao liberalismo e a modernidade defendidos pelo Iluminismo. Tratam a separação do Estado e da religião como declínio e o que levou a uma perda da tradição, da cultura, da ancestralidade e da coletividade. Para se diferenciarem da nova direita bolsonarista e olavista alegam que há uma direita contaminada pelo liberalismo com um discurso pró mercado e individualista, na qual não é alinhada com o que defendem para o país.  

O caso da Nova Resistência merece uma atenção – e análise cuidadosa – tanto quanto o bolsonarismo, pois utilizam um verniz de defesa da soberania nacional e do anti-capitalismo para tornar seu projeto atraente. Ou seja, é possível identificar que seus discursos são convidativos àqueles que já são inclinados à esquerda mais nacionalista ou mesmo os defensores do trabalhismo. Além deles, uma parte da esquerda radical também acaba por convergir com esse verniz do movimento, mais especificamente os que são resistentes a tratar as questões de gênero e raça como prioritárias alegando que a classe seria supostamente uma categoria acima das demais. Do mesmo modo, a NR coloca-se à disposição daqueles que já possuem uma tendência conservadora, porém não são contemplados pelo bolsonarismo ou a direita “Faria Lima” com seus discursos pró mercado. Ainda não há uma linha historiográfica que analise essa fração específica das novas direitas, pois o bolsonarismo tem sido objeto de maior foco dado às consequências dos últimos anos em nosso país. Porém é importante combatermos o neofascismo em suas mais diferentes formas. 

 Em relação ao PL 1904, foi publicado no canal oficial da Nova Resistência no Youtube com o título PL1904: retrocesso ou avanço? | Observatório Legislativo #1 (https://www.youtube.com/watch?v=nSiuWcT4aHY), o que seria um tipo de posicionamento oficial do movimento- especialmente de sua célula em Santa Catarina. O membro que gravou o vídeo reforça que a Nova Resistência sempre se posicionou contra o aborto e esclarece que estarão apoiando deputados e bancadas que estiverem propondo formas de não permitir a naturalização da realização do procedimento, sendo assim, são a favor do PL. Porém faz questão de trazer o assunto sob um olhar geopolítico delimitando que a NR e o projeto político que parlamentares que fazem parte da bancada de Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) estão diretamente ligados ao sionismo, pois essa fração possui uma posição pró Israel. Sendo assim, apoiam o projeto de lei e não o partido que o encabeça.   é válido sublinhar que a NR possui membros mulheres que usam suas redes sociais e colunas para escreverem sobre questões relacionadas à família, gênero, religião e geopolítica – como Catarina Leiroz.. Há também um setor feminino denominado Mátria, cujo símbolo é uma mulher de cabelos negros compridos ao centro e o símbolo do Movimento Neoeurasiano – uma estrela com oito flechas. 

Podemos identificar que nas pautas consideradas morais – como aborto, gênero, raça e progressismo – o grupo está em concordancia com a nova direita vinculada às ideias de Olavo de Carvalho e o bolsonarismo. Raphael Machado, líder do grupo, em suas redes utilizou um argumento parecido com aqueles que eles denominam de “hipócritas” por apoiarem Israel 

Esse tipo de postura vai de encontro com as ideias e crenças defendidas pelo grupo, pois a mulher, para os seguidores de Dugin no Brasil, deve ser modesta e seguidora dos valores tradicionais – algo que com certeza já ouvimos de qualquer bolsonarista médio – porém a tradição sem as influências do ocidente decadente.  

Em uma postagem sobre o Dia Internacional da Mulher no site oficial da Nova Resistência chama a atenção a forma na qual o papel das mulheres é delimitado no projeto defendido pelo grupo (https://novaresistencia.org/2017/03/08/dia-internacional-da-mulher/) 

As críticas são direcionadas tanto à direita que se propõe a diminuir a mulher em relação ao homem – algo que podemos encontrar no discurso de pastores e até deputados – , mas também à ideia de liberdade sexual feminina, algo que a todo custo tentam atrelar ao Ocidente ou ao capitalismo. Ao tentar naturalizar o lar, as funções que o patriarcado desenhou para nós – um patriarcado que, ao contrário do que a NR afirma, é aliado do capital – há uma reprodução de uma lógica que já conhecemos, porém sob as vestes da tradição e do discurso da antimodernidade. Portanto, quando os duguinistas se esforçam para se diferenciar da extrema direita bolsonaristas – invocando os conceitos “liberalismo x tradição” ou “Ocidente x Oriente” – não rompe com pré-determinismo acerca dos papéis de gênero. Por mais que delimitem que os defensores do PL não sejam os verdadeiros conservadores, não pensam duas vezes em se alinharem a eles em prol do controle dos corpos de pessoas que gestam.  

Quando tratam o feminismo como caricatura da mulher com axilas peludas ou o cabelo colorido não rompem com os trumpistas ou bolsonaristas, menos ainda com aquilo que chamam de sistema. Em seu discurso há um caráter autoritário, pois enxerga o corpo à serviço da Pátria, revelando que suas bases não são apenas conservadoras, mas de influência fascista. O trabalhador ou pobre invocado em suas publicações não é rigorosamente definido e possui o objetivo de tentar apelar para um senso de coletividade que claramente é uma idealização – um pobre supostamente ignorante ou rústico, e naturalmente conservador.  

Por fim, não é uma novidade que diferentes espectros da nova direita se unam à favor do projeto de lei 1904, pois mulheres e diversas minorias são os grupos que são diretamente afetados em momentos de tensões políticas. Seus direitos são utilizados como barganha para pressionar o Estado brasileiro a naturalizar um lugar de pária – assim como esses grupos naturalizam as desigualdades e opressões utilizando um argumento econômico, filosófico ou religioso. O que chama a atenção é como projetos políticos com bases teóricas que apontam para direções diferentes como da Nova Resistência e dos deputados bolsonaristas convergem quando o tema é mulher, gênero ou raça. É fundamental que essas convergências sejam melhor elucidadas,e como podemos notar, o ultra conservadorismo é o que os une.  

O projeto do Brasil desses grupos é intolerante e reativo aos que não se comportam e não agem de acordo com aquilo que impõem como ideal de brasileiro, de homem ou mulher. Sendo assim, é importante para aqueles que estão dispostos a lutar por um mundo mais igualitário e radicalmente livre de opressões de todo tipo estarem atentos aos projetos e ideias que surgiram a partir do neofascismo cultivado pelas crises políticas e econômicas dos últimos anos. Seus objetivos são diferentes, mas os alvos já conhecemos: mulheres, negros LGBTSQIA+ e todos aqueles que o colonialismo colocou um alvo desde seu surgimento. 

REFERÊNCIAS  

DUGIN,Aleksandr. A Quarta Teoria Política. 2012 

NETO, Odilon Caldeira. O NEOFASCISMO NO BRASIL, DO LOCAL AO   GLOBAL?. Esboços, Florianópolis, v. 29, n. 52, p.599-619, set./dez., 2022. 

            SEDGWICK,Mark. Contra o mundo moderno:o Tradicionalismo e a história 

secreta do século XX. Tradução:Diogo Rosas. Editora Âyiné. Coleção Trotz der. 

2021 

TEITELBAUM,BENJAMIN R. Guerra Pela Eternidade: o retorno do 

tradicionalismo e a ascensão da direita populista; tradução:Cynthia Costa– 

Campinas, SP:Editora Unicamp, 2020 

VASCONCELOS, Thiago Francisco Rocha. A dissidência tradicionalista: a reinvenção da extrema direita brasileira como aliança vermelho – marrom. Almanaque de Ciência Política, Vitória, vol.7, n.2, pp. 01-29, 2023. 


Beatriz Oliveira – Historiadora e Educadora popular, pós graduanda em ensino de História. Pesquisa A Quarta Teoria Política e o uso de fontes digitais. 


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