Ataque à lei Maria da Penha: o que está em jogo? 

No dia 7 de junho de 2024 recebemos a notícia de que Maria da Penha, símbolo do combate a violência contra as mulheres1, voltou a ter proteção do Estado por sofrer ameaçadas da extrema direita no país2. De acordo com as notícias de jornais, Maria da Penha alega que grupos RedPill e a extrema direita como um todo tem reproduzido uma séria de notícias falsas que tentam prejudicar não somente sua imagem, mas, também, enfraquecer a importância da lei Maria da Penha. Mas quem são esses grupos e porque são contra a lei que enfrenta a violência contra as mulheres? 

O movimento RedPill é recente, composto por homens misóginos que entendem que, na medida que os direitos das mulheres avançam, a masculinidade se enfraquece e os direitos dos homens retrocede. Esse termo remete ao filme Matrix em que é oferecido ao personagem Neo a pílula azul (bluepill) que lhe manteria na ignorância e a pílula vermelha (redpill) que lhe levaria a verdade por traz de toda mentira da sociedade. Diante disso, grupos de homens denominados masculinistas3 adotaram o termo para se organizar e expressar sua revolta com relação ao avanço dos direitos das mulheres. Ou seja, para eles, a verdade é que as mulheres são aproveitadoras, maléficas e querem destruir os homens. Principalmente as mulheres que se consideram feministas e questionam o os padrões vigentes na sociedade. 

O movimento RedPill está muito associado a extrema direita por, justamente, possuírem pensamentos parecidos como o neoconservadorismo que envolve a manutenção da submissão feminina, a masculinidade viril quanto a manutenção da heteronormatividade e violência como forma de proteção. Haroche (2013) introduziu o conceito de masculinidade viril, destacando que, dentro desse modelo de gênero, tanto o exercício do poder quanto a preocupação com a potência são relevantes. De acordo com o antropólogo Lucas Moreira (2021), para manter a autoridade simbólica, física e moral do homem viril, existe um temor de impotência que é transformado em força e domínio. Diante da angústia de perder a virilidade e de vê-la ameaçada, os homens podem se tornar agressivos, violentos, brutais e, em casos extremos, recorrer ao homicídio para defendê-la. 

Os defensores da masculinidade tradicional há muito identificam em Jair Bolsonaro uma personificação de seus anseios (Lima e Silva, 2023). Ele é percebido como um arquétipo de “macho viril”, que confronta as mulheres de forma agressiva nos domínios do poder, dissemina piadas misóginas e se justifica sob o pretexto da liberdade de expressão. É possível perceber que Bolsonaro aumentou sua visibilidade ao promover o porte de armas, flexibilizando as legislações e estimulando sua utilização, frequentemente fazendo gestos de “arminha” com as mãos e até mesmo instruindo crianças a imitá-lo. A arma e a virilidade são elementos cruciais na construção da masculinidade desse homem heterossexual e cisgênero (Lima e Silva, 2023). 

Os argumentos empregados pelo neoconservadorismo são de natureza moral, com o propósito de restaurar a autoridade patriarcal. Lacerda identificou a presença do neoconservadorismo no Brasil a partir de 2005, embora sua influência política direta seja observada a partir de 2008 (Lacerda, 2019). Nesse período, houve um aumento nas medidas contrárias à legalização do aborto e na adoção de uma legislação mais rigorosa em relação a essa prática, bem como um incremento nas iniciativas de combate às demandas LGBT+ e de gênero. Especificamente, iniciativas mais severas contra o aborto foram observadas em 2011, enquanto o ativismo contra as agendas LGBT+ ganhou impulso a partir de 2014 (Lacerda, 2019). É nesse cenário que se constrói uma ofensiva aos direitos das mulheres como, por exemplo, contra a lei Maria da Penha. A história de Penha é marcada por violências do seu algoz. Foi perseguida, violentada e sofreu tentativas de feminicídio até conseguir que seu caso fosse para os tribunais internacionais. Como forma de reparação, o Brasil aprova a lei nº 11.340/2006, que leva seu nome.  

Ao longo dos anos, homens que são contra os direitos das mulheres, questionaram a necessidade de tal lei, alegando que os homens que tornariam as maiores vítimas das mentiras das mulheres.  Com isso, notícias falsas eram reproduzidas principalmente através de plataformas misóginas como o Brasil Paralelo4 e, assim, eram e ainda são compartilhadas em aplicativos de mensagens, plataformas de vídeos e outros canais de comunicação. As consequências da disseminação de notícias falsas como essa é a reprodução da violência. Como dito, atualmente, Maria da Penha tem sido ameaçada e, por isso, novamente está sob a proteção do Estado, igualmente quando sofreu tentativas de feminicídio por parte de seu ex-marido. 

Hoje, a violência contra as mulheres representa uma das principais formas de violação dos Direitos Humanos. Além de contribuir para a desigualdade de gênero, afeta diretamente direitos considerados fundamentais, como o direito à vida, o direito à saúde e à integridade física. No Brasil, segundo dados de 2020 da Agência Patrícia Galvão5, uma mulher é estuprada a cada 8 minutos, sendo que cerca de 84% dos casos o crime é cometido por pessoas próximas da vítima, familiares ou pessoas de confiança. A principal lei nacional no enfrentamento dessa violência é considerada um divisor de águas na abordagem jurídica brasileira na luta contra a violência baseada no gênero. Contudo, campanhas de deslegitimização de sua necessidade gera graves consequências como a falta de procura de seus direitos quando algum crime de violência de gênero ocorre. Além disso, encoraja homens a promover violências com a sensação de impunidade. 

Os direitos das mulheres são conquistas que afetam a vida política, social e econômica promovendo a emancipação e a mudança de paradigmas de toda sociedade. O neoconservadorismo misógino como ferramenta da extrema direita e masculinistas promove o ódio, a violência e o silenciamento das mulheres e continua educando homens agressivos e prisioneiros de uma masculinidade viril que nega qualquer diversidade ou diálogo. Diante disso, a promoção, manutenção e valorização de políticas públicas de proteção aos ditos grupos minoritários são não somente formas de reparação, mas, também, meios de educação para que a o patriarcado se enfraqueça e dê lugar a outros modos de vida. 

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS 

HAROCHE, Claudine (2013). “Antropologias da virilidade: o medo da impotência”. In: CORBIN, Alan; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (orgs.). História da Virilidade. Petrópolis-RJ: Vozes, p. 15-34. 

LACERDA, Marina Basso (2019). O Novo Conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Zouk. 

LIMA E SILVA, Bruna Camilo de Souza (2023). Masculinismo: misoginia e redes de ódio no contexto da radicalização política no Brasil. Tese (Doutorado). Belo Horizonte, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. 

MOREIRA, Lucas (2021). Masculinidade genealógica e o “viking” do Capitólio: reflexões sobre virilidade e política. Novos Debates, v. 7, n. 1, p. 1-12. https://novosdebates.abant.org.br/revista/index.php/novosdebates/article/view/181/98 (acesso em: 22/03/2024). 


Bruna Camilo  – Pesquisadora em gênero e radicalização. Doutora em Ciências Sociais pela PUC-Minas. Mestra em Ciência Política pela UFMG. 


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