[ENTREVISTA] — Conversa com vereadora e candidata à reeleição em Juiz de Fora–MG, Laiz Perrut. — Reflexões e mobilizações acerca do PL1904.

E foram os movimentos espalhados por todo país que fizeram com que o Arthur Lira desistisse da votação. Os impactos mostram uma cidade com movimentos sociais pulsantes, articulados e atentos.” 

1. Trajetória individual e compartilhada. Como a sua experiência, de gênero ou outras categorias, se alinhou à militância feminista? 

LP: Comecei a militar desde muito nova. Os anseios por um mundo melhor, mais justo, igualitário e sem violência sempre fizeram parte da Laiz, da pessoa que eu sou, então quando eu chego na vida pública trago as verdades que aprendi dentro de casa e constroem a minha personalidade. Coletivamente, os primeiros passos foram através da Marcha Mundial das Mulheres, no núcleo Maria Maria de Juiz de Fora, o qual integro desde 2011. Os encontros, formações, discussões do movimento foram e são de muito importantes para a minha concepção e ampliação do entendimento sobre o feminismo e outras pautas como o anti racismo, anti-capitalismo, anti-lgbtfóbica. Participar da Marcha é algo muito forte, é uma virada de chave mesmo para as múltiplas concepções de mundo. Aproveito e deixo aqui o meu convite para que outras mulheres possam participar conosco.  

2. Militância e política. A) Como esse tema é percebido, pela sua experiência, no âmbito local da política? B) Com base na sua experiência, o que significa “ser política (uma mulher na política)”? C) Nesse sentido, é possível uma política neutra ou, como muito vendido, uma política somente “técnica”, desacompanhada de paixões, defesas e posicionamento ideológico?  

LP: A minha vivência na política de Juiz de Fora começou no movimento estudantil. Travamos várias discussões e movimentos em defesa de uma Universidade Pública e de qualidade, mais direitos para os estudantes e avanços nas políticas públicas da universidades, incluindo diretrizes de permanências, por que não basta só o estudante entrar para cursar tal faculdade, ele precisa ter condições de permanecer. Sou uma mulher filiada ao maior partido de esquerda da América Latina, o Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras desde 2012. E o partido é subdividido em várias correntes de pensamento e eu faço parte da Democracia Socialista, que é uma corrente fundada em 1979, na ditadura militar e ajudou na construção e solidificação do partido. Enquanto estudante, fiz parte da Kizomba, que é o movimento jovem que os membros da Democracia Socialista participam.  Nessa luta dentro da UFJF, fui coordenadora geral do Centro Acadêmico de História e posteriormente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) na Gestão 2013/2014. E além da Universidade possuo atuação em outros movimentos sociais como o Conselho Municipal da Juventude de Juiz de Fora, que exerci a função de presidente de 2018 até junho de 2020 e o Sindicato dos Metalúrgicos, onde desde 2017 atuo como assessora política.  

Militância e política sempre andaram juntas. E entendemos militância como uma mobilização coletiva com intuito de transformar a realidade. E só podemos ter dias melhores para todos e todas através da política. Eu acredito na política e por isso estou nela. E para que nós mulheres possamos ter políticas públicas que nos contemple e respeite é que coloquei o meu nome a disposição do partido lá trás. A gente precisa entrar para mudar. A gente precisa estar nos locais de poder para trazer pautas que muito nos atravessam como a lei de dignidade menstrual por exemplo. E ser mulher nesses espaços é um desafio tremendo. A gente precisa se reafirmar a todo momento, porque somos constantemente interrompidas, atravessadas e deslegitimadas. É luta, batalha, mas precisamos estar. A misoginia dentro da Câmara dos vereadores de Juiz de Fora é real e muito viva. Quantas vezes durante a minha fala outros vereadores se viram, levantam, falam junto. E além do dia a dia do plenário, que já é muito pesado, nós temos que lidar com as perseguições nas redes sociais, como ataques nos comentários de uma postagem, vídeos distorcendo o que foi dito e me expondo, dentre várias outras coisas. E mesmo com tudo isso a gente tem feito muito por Juiz de Fora e deseja fazer ainda mais. É só ocupando que a gente pode transformar.  

Impossível fazer essa política técnica que você está mencionando. A gente não se separa das nossas crenças, paixões, visões de mundo como troca de roupa, por exemplo. Podemos tentar, e ai é o caminho que eu mais acredito, distanciar a minha opinião, enquanto pessoa física, do que precisa ser resolvido, organizado naquele momento, enquanto pessoa jurídica ou pública. Isenção ou neutralidade não existem. Existe bom senso, mediação, mas esse afastamento total é mais um mito divulgado justamente para camuflar opiniões e posicionamentos.  

3. O PL1904. O impulso para se lançar aos espaços de tomada/decisões políticas, por ordem de um Estado Democrático, tem, entre os seus objetivos, a defesa do bem coletivo. No entanto, temos percebido, historicamente, esse espaço como uma disputa de narrativas para privilégio de determinados grupos em detrimento da subjugação de outros. A) O PL1904 é um espelho dessa configuração? Por que? B) Você acredita que o PL 1904 seja realmente sobre o aborto? Na sua opinião, quais seriam os reais interesses dos grupos que articulam sua aprovação? C) Ainda, existem outros rostos e/ou algumas outras defesas, no âmbito local, que se assemelham às defesas do PL? D) Há algum impacto do PL na administração e propostas locais? 

LP: Como ressaltado anteriormente, nenhuma narrativa, nenhuma fala é isenta de crenças pessoais. E este é mais um projeto de tentativa de controle dos corpos femininos. É um ataque direto aos nossos direitos de escolha. E ainda visa punir quem fizer, mas a gente sabe que essa punição não será para todas. Vai ser direcionada para mulheres pobres, pretas e periféricas. E quais crianças não poderão interromper a gestação? As colocadas à margem da sociedade. Os intuitos ao pautar são os mais escabrosos possíveis, a câmara é de maioria de homens, brancos e conservadores. É uma forma de extrema direita se colocar na mídia, ter palco, palanque, curtidas e visualizações, de tentar rotular pessoas progressistas como assassinas, abortistas e assim criar outros monstros e fantasmas para retroalimentar a sua bolha de fake news. A extrema direita é espalhada por diversos lugares e Juiz de Fora possui políticos que se alinham a este campo e que utilizam o plenário da câmara municipal para destilar o seu ódio pelo o PT, por exemplo. O que se faz em Brasília possui sim influência nas políticas municipais em outras escalas e proporções. Nós fomos para o Calçadão da Rua Halfeld na segunda-feira, dia 17, para manifestar contra o PL, ou seja, fizemos um movimento aqui na cidade sobre decisões que são chanceladas a muitos quilômetros de distância, mas que nos influenciam enquanto mulheres diretamente. E foram os movimentos espalhados por todo país que fizeram com que o Arthur Lira desistisse da votação. Os impactos mostram uma cidade com movimentos sociais pulsantes, articulados e atentos.  

4. Há algo que você gostaria de dizer às meninas e mulheres que nos leem? 

LP – Acreditem na política. Façam política, pois só assim nós poderemos mudar a nossa rua, bairro, cidade, estado ou país. Observem as propostas, plataformas, o que dizem e principalmente o que deixam de mencionar os candidatos que chegam até vocês. Relembrando, nada é por acaso ou isento. Acreditem em vocês e nos seus sonhos. A política séria, inclusiva, organizada, transparente é possível!  

 


Jovem, professora e feminista, Laiz Perrut Marendino ocupa uma cadeira no Legislativo Municipal de Juiz de Fora para defender um projeto político coletivo que envolve mulheres, jovens, trabalhadores e trabalhadoras, negros e negras e os movimentos sociais.Eleita em 2020 com 2.997 votos, seu mandato preza pela participação popular, cultura e educação.


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