As dificuldades da arte autêntica e sua imbricação com o conceito de fetichismo da mercadoria cultural de T. W. Adorno e M. Horkheimer

Resumo:

O presente trabalho analisará a perspectiva sobre a dificuldade da arte autêntica, devido sua reprodutibilidade constante, visando enfatizá-la com o conceito de “fetichismo da mercadoria cultural” na Dialética do Esclarecimento (1994), obra de coautoria de M. Horkheimer (1885-1973) e T. W Adorno (1903-1969), com o intuito de estabelecer sua ampliação por meio da propagação do bem cultural que se denomina por meio da indústria cultural. Para tanto, a abordagem discorre da questão acerca do valor de uso e valor de troca, nos moldes da obra de Arte. 

Palavras-chave: sociedade de consumo, fetichismo, ação, obra autêntica.

Introdução

Para denominar o conceito de “fetichismo da mercadoria cultural” deve-se antes remeter ao seu âmago, que vem com Karl Marx (1818-1883) em sua obra intitulada O capital (1867), que tem como significado a relação das mercadorias com o sistema capitalista, visando a “produção em massa” e com isso a percepção de que toda sociedade tem potencial para produzir produtos ao extremo. Esse sistema é adaptado para fazer da sociedade um molde de exploração que o sistema conduz, toda teoria desenvolvida remete a questão do lucro e da posse do capital, onde aquele que detém os meios de produção assume um controle social. 

Nesse sentido, ao introduzirmos o pensamento dos autores Adorno e Horkheimer vemos o debate sobre a concentração voltada para o uso de mercadorias. Essa discussão se inicia acerca do “valor de uso”, que permite a utilidade de um produto ou objeto, e

também abre discussão acerca do “valor de troca”, que remete a inutilidade do produto ou objeto até ser descartado e trocado por outro. Esse tema se torna central para o recorte aqui apresentado sobre a dificuldade da arte autêntica sobre o emblema da obra de arte. Para dar início a argumentação é de extrema importância o pensamento dos autores sobre o termo “fetichismo da mercadoria”, que é mais uma característica em sua linha de raciocínio que exemplifica que um produto criado dentro dos moldes capitalista pode ter finalidade apenas de atender a demanda de mercado, e nesse sentido produtos feitos em massa visam apenas atender uma demanda fetichista de falsa sensação de consumo. Para entender essa relação é necessário compreender o impacto da revolução industrial, e suas diferentes fases nos séculos passado até início do século XXI. 

Na era da produção em massa, o conceito de indústria cultural se torna o grande alicerce usado por Adorno e Horkheimer no livro: Dialética do esclarecimento para tornar compreensível a veneração da indústria de produção, que tornou-se mais evidente com a revolução industrial e tecnológica. O duplo termo utilizado pelos autores e criado e introduzido por Marx entende-se por base a “indústria” como relacionado à infraestrutura, e “cultural” relacionado à superestrutura. Toda essa análise se volta para o sistema capitalista, que crescente se introduz ao redor do mundo, se tornando única esfera de relações de poder e assim delimita o que é sociedade, e comprova de forma direta como o sistema produz uma forma de ver toda cultura social como reprodutiva e consumista. 

Tendo todos esses pontos relacionados ao assunto, será colocada a relação acerca da impossibilidade autêntica da arte na era contemporânea, evidenciando que após as revoluções de TV, Internet e rádio, as obras de artes visuais tendem a serem altamente reproduzidas, sendo estas compartilhadas, armazenadas e fotografadas impossibilitando sua natureza única e evidenciando sua ligação à indústria cultural. Visto que essa se propaga em um momento histórico, a obra e sua disposição se condicionam e se afirma através da produção voltada para fins mercantis, e não mais artísticos. A saber, a arte entendida por Adorno se mostra em um primeiro momento como autônoma, e especular à sociedade. 

Para tanto, destaca-se aqui sua elaboração da arte enquanto autônoma, única e feita para fins artísticos e sentimentais. De tal modo, é inserida nesta questão os termoskantianos de “finalidade sem fim ou conformidade a fins sem fim da Arte” pois o termo raramente é mencionado na Dialética do Esclarecimento. Como recensão ao fetichismo da mercadoria cultural e frisa com máximo destaque como se torna verídico pensar numa arte autêntica e não associa-la como fundamentado na indústria cultural. 

A função ao esquematismo Kantiano ainda atribui ao sujeito,a saber, 

referir de antemão a multiplicidade sensível aos conceitos 

fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria. 

(ADORNO/HORKHEIMER 1985, P.117). 

Vemos que a autonomia artística não vem como um idealismo transcendental kantiano, mas por sua vez com um contexto histórico que se identifica para Adorno com sua relação à estética, a qual difere-se da questão da arte enquanto idealista – da “arte pela arte” e se diz como uma expressão não formal, mas de conteúdo que reflete justamente uma materialidade histórica. Temos então que entender que os escritos aqui formulam uma ruptura de uma sociedade administrativa que isola as obras autênticas como se fossem predomínio de uma cultura que se baseou por meio de mimeses ideológicas. 

Ora sabe-se que as grandes técnicas de produção tornaram a sociedade em apenas consumidoras e com isso as sociedades vem a ser irracionais. Assim, carrega uma fórmula para substituir ação (sentimental ou afetiva) de uma obra por sua utilidade de consumo. O papel da obra de Arte e sua finalidade não mais se baseiam por apresentar uma finalidade a fins objetivos, mas se permeia na primeira impressão que é entendida dos escritos kantianos, havendo conformidade a fins subjetivos que tornam a obra como “qualidade” das coisas possíveis, de agora em diante a obra é vista somente como finalidade objetiva. 

Sobre o assunto da “teoria de valor” de Marx, vemos a relação social que se comprova ao entender a obtenção de lucros por partes dos que detém o poder capital, manipulando a classe trabalhadora para que sua finalidade se torne apenas arcar com o trabalho, sem ter tempo de lazer ou criatividade. Na era contemporânea o consumo artístico é tão necessário para o artista quanto a afirmação de sua obra, mas a perda de sentido de criar a arte para fins lucrativos vem a adoecer o artista, além de corroborar para um fetichismo de consumo artístico, que começa a usufruir de artes que são feitas

por artistas altamente conhecidos e propagados na mídia, tornando-se assim o fazer criativo um espaço de disputa e de divulgação em massa, a exemplos: Van Gogh, Leonardo da vinci, Michelangelo etc. 

Dados referentes a esses artistas, identificam a propagação do seu estilo artístico por meio de valor de uso. Ou seja é necessário sua utilidade enquanto algo que tenha uma significância, e assim uma importancia para a sua criação, seja ela voltada para vencer sentimentos depressivos, ou invasivos ou até mesmo com a finalidade de expressá-los ou propagar emoções felizes. E quando essas artes visuais estão submetidas ao consumo em massa e as demandas mercadológicas, interfere gravemente em sua finalidade, sendo isso também fortemente marcado quando tratamos acerca do valor de troca. 

O valor de uso se descreve como utilidade ou propriedade material que se torna um produto com finalidade de satisfazer a condição humana. Como forma externa de objetividade da mercadoria cultural, a arte nesse sentido encara além de uma técnica colocada como juízo de gosto um sentido próprio, que busca se separar do consumo fetichista e material e volta-se para uma essência que dê sentido à obra. Que resulte de uma conformidade que lhe torne uma ação, para além da obra de arte em si. 

No entanto, se insere nisso outro fator: o valor de troca por sua vez coloca uma relação quantitativa de troca de valores que por sua vez se misturam com outros valores, rotulados de fartura e abundancia que escapam ao sistema e tira a autonomia artística da obra de Arte. O fetichismo se torna concordante e a única expressão da arte dos dias atuais, moldada apenas para satisfazer o lucro e o consumo, e torna a obra tão somente fruto de todo seu resultado: a era do fetichismo da mercadoria cultural. 

A esfera da autenticidade, como um todo, escapa à reprodutibilidade 

técnica, e naturalmente não apenas à técnica. Mas, enquanto o autêntico 

preserva toda a sua autoridade com relação à reprodução manual, em 

geral considerada uma falsificação, o mesmo não ocorre no que diz 

respeito à reprodução técnica, e isso por duas razões. Em primeiro 

lugar, relativamente ao original, reprodução técnica tem mais 

autonomia que a reprodução manual. (BENJAMIN, W.1996, p.2)

Ao longo de tudo que foi descrito, reafirma-se como se da a caracterização da mercadoria cultural, levando a cultura de massa a propagar o que os autores chamam de estilo, que nada mais é do que uma forma de dominação. Que se infiltra aos poucos dentro das sociedades de consumo, e demonstra através das propagandas em massa que é possível ser autêntico, ter moda e gosto próprio, mas isso nada mais é do que um tipo de esquema de poder que utiliza de formatos próprios dentro do sistema uma forma de interferir nos gostos, queres e decisões da sociedade. 

Esse estilo é lançado na indústria de consumo e tem como papel um equivalente “estético da dominação”. O que podemos entender é como a propagação, ou generalização da produção aos meios de consumo, são introduzidos nos meios de pensar e agir do indivíduo. Tem sua necessidades básicas e pessoais não mais colocadas como direito, mas sim como produto. Nesse sentido entendemos a dificuldade da arte autêntica, pois ela está enraizadas com as mazelas do capitalismo, e cabe ao artista decidir como produzir sua obra, podendo reproduzi-la em massa e caso faça sucesso atingir um lucro, ou pensar a arte tendo apenas finalidades técnicas e emotivas, mas assim não obtendo sua ação de forma profissional e assim não gerando margem ao sistema capitalista. 

O que vemos com a colocação de W, Benjamin sucinta muito além do pensamento. É necessário que com toda reprodução que volta-se a encaixar-se como perfeita, uma aparência técnica que revele sua autonomia na obra manual, e é claro não descartar a produtividade do artista apenas para fins lucrativos. Algo está ausente perante tudo isso, o aqui e o agora remetem algo a mais na obra de arte, remetem sua ação enquanto finalidade, e mais que isso desvaloriza sua criação e sua autenticidade, não dando mais uma causa principal a sua existência. O estilo atribuído pela sociedade em massa conforma uma atribuição de valor (mercadológico) inserido na obra, a mesma por conta do consumo se torna apenas detrimento do fetichismo que é interpretado por cada indivíduo. 

Somente o valor econômico é notado, nada mais é atribuído à estética se não seu valor de uso, sendo construído como estilo ou moda, moldado pela indústria de consumo tendo como resultado um valor de troca, que exige capital para que se possa alcançar a arte. Cria-se uma ficção sobre a ação da obra, os indivíduos perdem sua

capacidade de mediação sobre o pensamento do mundo, e ficam tão à deriva das mercadorias culturais que a autenticidade artística se perde. Apenas por se esperar que a arte se abra para a incompreensão do público telespectador. 

O nítido de tudo mencionado anteriormente e a tese que se coloca como central na Dialética do Esclarecimento onde se entende o grande abismo sobre ideário imaginário com o esclarecimento e sua efetivação. É feita da sociedade um mar de consumistas onde os produtos da indústria cultural são meramente o reflexo da incomunicabilidade que expressa uma época tão atual que a essência humana se volta para um paradigma mercantil conformada a fins por um juízo estético subentendido em valor de troca. 

Tão somente o sistema capitalista tardio propõe ao autor da obra de arte uma reprodução técnica, negando a autonomia à sua criação enquanto a fins sem fim. A impossibilidade criativa tira a emancipação da obra no século XXI, e retoma o pensamento ao que Adorno e Horkheimer denominam como indústria cultural. Realmente, o ponto de vista dos autores expressa isso, como os auspícios do fetichismo da mercadoria cultural desembarcam a grande aporia que se encontra Arte e sua forma. É necessário reverter esse papel que se pregou a produção artística, e isso se dá dando espaço às artes, seja esse dentro de galerias, museus ateliês ou pesquisa, para além do consumo mercadológico, as artes assumem um papel metafísico e subjetivo, que provoca a humanidade a se enxergar dentro do campo social não mais como indivíduo, mas como parte social fundamental para a formação da sociedade.

Referências 

ADORNO, T. W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 1985. 

MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2006. 

KANT, I. Crítica Faculdade de Julgar. 2 ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2002. 

BENJAMIN, W. A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica, In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1996.


Mileide Barros Artista visual, lgbtqia+ negra, vinda do bairro do Bengui, periferia de Belém, criada por uma mãe solo e com um irmão PCD, formada em filosofia pela Universidade federal do Pará, pesquisa temas sobre estética e filosofia da arte. Seus trabalhos relacionam linguagem sobre corpos marginalizados/as/es indígenas e negros/as/es além trazer questões locais e regionais, fundadora do espaço Eçauna Studio que atua na produção de exposições e eventos culturais.


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