Carlos aconchega-se na cama do quarto de hotel «trezentos» com quatro almofadas em riste. De costas apoiadas no forte almofadado, pega no tablet que usa tanto para lazer quanto para trabalho.
Na casa de banho da sua suíte, o murmúrio calmante da água contra os azulejos acaricia-lhe os ouvidos. Carlos imagina, então, o champô a espumar-se no cabelo da sua esposa, deliciando-se com o aroma a morango que lhe penetra as narinas.
Agora que tem todo o tempo do mundo, Carlos abre, embalado na força do hábito, o correio eletrónico. Motivado pela curiosidade, escolhe um e-mail sem assunto e cujo remetente se lê «Pecadora»:
“Caro Editor,
Suplico-lhe que me perdoe o contacto descarado. Não fosse a minha consciência insuportável, eu arderia juntamente com o meu segredo oprobrioso.
O que me proponho a confessar-lhe escandalizá-lo-á sem limites. Durante semanas, escapei do fulgor da civilização e abracei, sorridente, a solidão aprisionante de uma mulher solteira com sessenta primaveras.”
Carlos aperta vigorosamente o aparelho. Os seus olhos recusam-se a ludibriar-se pelas tentações exteriores e trancam-se na mensagem como se fossem âncoras firmes no mar revolto.
“Desgostosa, porém, interessada em conhecer a flor dos relacionamentos, mergulhei na lava do inferno. Mais precisamente, afundei uma faca na parte traseira de um colchão, sem que raspasse na de cima, e desenhei uma silhueta humana, como o contorno de um indivíduo no chão de uma cena do crime. Ora, fi-la tal que o meu corpo vil se encaixasse e lancei o pedaço cortado pela janela do terceiro andar. Assim, no meu último dia de férias, escondi-me nesse buraco humanoide com a cara amolgada nas tábuas da cama como se fôssemos uma só.
Não paguei a estadia. Rasguei as cortinas e escancarei as janelas para que pensassem que tinha fugido. Depois, espalhei os meus pertences pelas tábuas, à minha volta.
Quinze dias decorreram. Nesse tempo, escutei conversas apaixonadas, discussões e gemidos. Oh, como é bom ser-se amado! Aprendi, ainda, que os corpos quentes sobre as minhas costas são os femininos, ao passo que os pesados correspondem aos masculinos. No decorrer da noite, elas pontapeiam mais que os ressonares reverberantes deles. Quando o casal discute acerca da comida que se eclipsou misteriosamente do minibar, a qual, na verdade, fui eu que consumi, eles assumem a culpa para que elas não se arreliem.
Imploro-lhe, no entanto, que me desculpe. Escrevo-lhe este e-mail com um enorme peso às costas e banhada por um perfume a morango. Se me absolve, por favor, atire a chave «trezentos» contra a pintura da aurora boreal acima da secretária para que eu possa encerrar a minha perversão em paz.”
A fortaleza de travesseiros desaba. Gotas de suor frio cintilam na testa do editor, cuja cor abandonou a pele.
“Não se aflija. Este texto provém unicamente da minha imaginação e de me ter cruzado consigo no corredor do hotel. É apenas uma tentativa de escrita de ficção e gostaria que a avaliasse. Releve-me novamente pelo contacto ousado.”
Carlos solta a respiração que nem se apercebeu ter sustido. Um arrepio percorre-lhe o corpo à medida que as imagens vívidas que o e-mail lhe pintou na mente se substituem pela possibilidade de serem reais. As suas mãos agarram involuntariamente os lençóis e o quarto parece-lhe girar. Será isto apenas ficção? Tem de ser.
Lara Almeida, é uma engenheira física apaixonada pela leitura e escrita. Relativamente ao seu gosto pela escrita, este surgiu na adolescência com a redação de fanfics e, com o tempo, expandiu o seu universo para criar histórias mais sérias. De um modo geral, é uma pessoa criativa e ambiciosa, estando sempre pronta a aprender mais e a desafiar-se.
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