O Vestir do Signo

No encontro de diferentes comunidades e experiências, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário frutifica a indissociável conexão entre o festejo e a fé. As imagens obtidas no centro-oeste mineiro, no município de Cláudio e suas adjacências, revelam a expressividade sinestésica da tradição em movimento. O entrelace das relações intercomunitárias e intergeracionais descortinam transmissões de saberes que nutrem corpos e espíritos. As escolhas das cores, vestimentas, ornamentos, sons, danças e instrumentos são o meio e a ação de homenagear e evocar os Santos, rezando para agradecer e se ter o pão para comer. 

Nos festejos pode ser percebido as relações singulares que os distintos corpos desempenham com o céu e a terra, fonte essencial de nutrição física, educativa, espiritual, epistêmica e da própria tradição. O caminhar ao longo da cidade, é feito através de rotas e desvios, movimentos e paradas, silêncio e som. Aos olhos atentos de quem enxerga, não somente através da capacidade de visualização ótica, mas pela integralidade do ver-sentir, é percebido que a reza, agradecimento e devoção aos Santos se dão de múltiplas formas. O pisar no chão reforça o sentimento de pertencimento de seu universo sacro, desde os recôncavos atlânticos do qual se atravessou aos caminhos que se trilhou, chegando às terras nas quais se firmou. Esse movimento interconecta tempos e espaços, povos e tradições, linguagens e outras formas de comunicação. A tradição se perpetua enraizada e viva, obedecendo ao ciclo da vida, em que as folhas caem e novas nascem, os galhos se secam e outros se criam. Assim, é inegável a dinâmica cultural sendo mantida e (re)atualizada com as diferentes percepções e lógicas das partes que compõem o todo.  

O culto ao divino não parece ser arrancado da ordinariedade da vida e enclausurado em templos, pois é exatamente nessa que os ensinamentos e compreensões se tornam tangíveis frente aos desafios e lutas. Os modos de agir e reagir são, portanto, costurados na trama do viver através de sua indelével e insistente capacidade de apresentar incertezas e inconstâncias. Talvez, seja por entre a rasgadura de pontos bem demarcados que a força da tradição se constrói. O sagrado e o profano podem ser tudo ou nada, a depender do contexto e intencionalidade ímpar dos sujeitos; o usufruto consciente de alguns com a cachaça são as hóstias de outrem. 

As vestimentas são de diferentes formas, cortes e tecidos, e possuem riqueza de detalhes, cores e ornamentos. Os terços são geralmente confeccionados pelos próprios donos, e durante o processo de feitura com as contas de lágrima de Nossa Senhora, deságua parte de quem o faz, confluindo com as águas sagradas dos Santos através das preces que protegem seus corpos. Os Capitães e Capitãs ensinam que rezar, pedir e agradecer é antes de qualquer coisa um exercício de aprimoramento próprio, que, mesmo bem intencionado, não se é possível ajudar ninguém sem estar bem. Os Reis e Rainhas ensinam em seus cantos e toadas que é preciso possuir firmeza nas rodas do tempo da vida para sustentar seus percalços e, por fim, atravessá-los. No entanto, essa firmeza que sugere rigidez, é na verdade uma proposição comportamental que busca respeitar e acolher as experiências dos antigos e promover formas de se relacionar no mundo com doçura e amorosidade, não se perdendo na inflexibilidade. 

Agora, de modo geral sobre os Reinados em interação em Cláudio, as festividades comunicam sobre a especificidade de cada um desses, indicando as particularidades dos caminhos, histórias e aprendizados de tempos e pessoas que se foram. O festejo e fé desta tradição reafirma que rezar pode ser tanto dentro do seu quarto, sozinho e em pensamento, quanto embalado pelo movimento da dança, pela potência do som e do canto ou até mesmo pelo ecoar do toque dos tambores. O espaço sagrado se torna sagrado pelas pessoas que ali o consagraram, que pisou naquele solo, plantou e semeou Vida. Assim, as gerações seguintes continuam depositando suas intenções, pedidos, agradecimentos, plantando e semeando aquilo que foi fruto e frutifica suas (re)existências através das convicções que as graças recebidas reafirmam. 


Gustavo Franca, antropólogo e multiartista, expressa-se através de diversas formas artísticas. Em sua fotografia, busca provocar sensações e reflexões sobre os variados modos de existência e concepções de vida. Utiliza a câmera como ferramenta para explorar a diversidade cultural, emocional e espiritual do mundo ao nosso redor, convidando o espectador a uma jornada sensorial e filosófica através de suas imagens e poéticas textuais.                   

Daniel Borges, estudante de Artes Visuais na UFMG, nascido e criado no interior de Minas Gerais, em Cláudio. O artista explora os processos do cotidiano em sua fotografia, buscando conexões consigo mesmo e com os outros. Sua investigação se concentra na temporalidade, memória e corpo, criando significados a partir das diferentes formas de existência.              


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