“Tinha apenas quatorze anos quando conheci Paulo André – ele um repetente da 7ª série, já com seus dezessete anos – eu uma novinha ingênua, tímida e sem experiência, aluna aplicada, e boa filha. Essa foi a fórmula perfeita para me envolver, e ceder a todos os seus caprichos e vontades. Quando me dei conta, já estávamos namorando, ainda que a contragosto de toda a minha família. 

Paulo André, além dos problemas escolares, tinha um histórico de violência e envolvimento com drogas. Todos na escola sabiam disso, e os meninos da minha idade morriam de medo dele. Sem uma estrutura familiar, foi criado por sua avó que fazia todas as suas vontades, e nunca aceitou que falassem mal do neto – para ela o Paulinho era um bom menino. 

Que de bondoso não tinha nada. Desde o início da nossa relação, sempre fui submissa. Não conseguia me desvencilhar, mesmo ele já tendo sido bruto comigo várias vezes. Quando me pegava com violência, parecia que era atraída pelo seu beijo, e pelo gosto de cigarro em sua boca. Dos amassos para a relação sexual, foi só questão de tempo… 

Como toda menina inocente ficava imaginando como seria minha primeira vez – ah, será com alguém especial, que goste muito de mim, e me trate com carinho. Na hora do ato, será algo mágico, o encontro de dois corpos que se querem muito, e se respeitam. Primeiro ele me tomará em seus braços, acariciará meus cabelos, beijará minha boca e tocará levemente meus seios. Depois, me colocará delicadamente na cama, beijará cada parte do meu corpo até me penetrar carinhosamente, sem dor, somente desejo e amor. Por fim, na hora do gozo, serei transportada para o mundo das fadas e aquela será a melhor sensação da minha vida, coroada com nossos corpos enredados em um longo e definitivo beijo. Na vida real, eu perdi a virgindade dentro do banheiro da escola, de quatro num vaso sanitário sujo e mal cheiroso. Paulo André arrancou com brutalidade minha calcinha e me penetrou com força, enquanto que, com uma mão tapava minha boca, e com a outra puxava meus cabelos, me cavalgando como se eu fosse uma égua. No final, com o sangue escorrendo pelas minhas pernas, ainda perguntou: 

– E aí novinha, o sistema aqui é bruto, gostou? 

Trêmula de dor apenas sorri, e acenei com a cabeça concordando que sim. 

O sexo passou a ser a razão de nosso relacionamento, o que não quer dizer que tenha sido menos doloroso, e desagradável nas outras vezes, pelo contrário. Para ele não existia hora nem lugar, era quando tinha vontade, assim transamos atrás do muro da escola, debaixo da ponte e até num lixão perto de casa. Foi aí que comecei a conhecer suas perversões, e sadismo. 

Quando completei quinze anos, já namorando há oito meses, desmaiei dentro da sala de aula. Fui levada para e enfermaria, e de lá para o Pronto Socorro. Quando os médicos me examinaram veio a notícia – estava grávida de seis semanas. Aquilo explodiu como uma bomba em minha casa, já que meus pais nem sonhavam que eu já transava com meu namorado, e também na minha vida – pois nunca imaginei que isso pudesse acontecer, apesar de ter consciência dos riscos que corria já que ele nunca aceitou usar preservativo. 

Como Paulo André já era maior de idade, minha família o obrigou a assumir a responsabilidade, e acabamos indo morar na casa de sua avó que, toda orgulhosa do neto, mobiliou nosso quarto e pagou todas as despesas até o nascimento da bebê. Contudo, por conta de um infarto fulminante, morreu um mês depois de conhecer a bisneta. 

Com a morte da avó que nos sustentava, ele herdou a casa onde morávamos e alguns quartinhos de aluguel, que ela mantinha no fundo do lote, mas, mesmo assim, as despesas eram altas, por isso ele foi obrigado a arrumar um serviço. Eu parei de estudar logo depois que descobri a gravidez, e agora vivia para cuidar da minha filha, e da casa. 

Se durante a gestação ele quase não me procurou para fazer sexo, pois a avó estava sempre por perto, agora sozinhos em casa tudo voltou a ser como antes. Aliás, pior do que era antes. Além de me forçar a ter relação, ainda me batia. 

Passados dois anos, eu estava prestes a fazer dezoito, quando descobri que estava grávida novamente, apesar de estar tomando pílula, que eu pegava no posto escondido. Quando ficou sabendo que seria pai outra vez, até ficou feliz, achando que agora teria um filho homem – seu grande sonho. Mas quando peguei o resultado da ultrassonografia, e descobri que teria outra menina, ele ficou transtornado e saiu pra rua. Voltou bêbado tarde da noite, e me espancou, depois me pegou com brutalidade e fez sexo. No final, urinou em cima de mim – segundo ele era um “banho dourado”, meu prêmio por não ter sido capaz de fazer o filho homem que tanto queria – e as perversões estavam apenas começando. 

Na segunda gravidez não houve uma noite sequer de paz, em que eu não tivesse que atender aos seus desejos, cada dia mais sujos e nojentos. Já com nove meses, e uma barriga enorme, trouxe para casa uma travesti e me obrigou a ter relação com ela enquanto assistia – aquele foi o pior dia da minha vida.  

Pouco depois que minha segunda filha nasceu e, ainda no resguardo, continuava a me procurar. Mas preocupada com minhas filhas – a essa altura minha única razão de viver – eu atendia aos seus caprichos. Um dia, quando estava passando mal, com muita enxaqueca, pedi que me deixasse quieta pois não estava bem. Furioso, disse que se eu não fizesse o que ele queria, quem iria pagar seriam as meninas. Assustada, e temendo por elas, cedi mais vez. 

Seis anos se passaram e nada mudou, só os vícios que aumentaram. Paulo André agora havia se tornado um viciado – cheirava pó dentro de casa, perto das crianças. Emprego já não tinha há muito tempo, vivíamos dos aluguéis que mais falhavam do que vinham, por isso, decidi começar a trabalhar como diarista, para que não faltasse nada em casa para minhas filhas. Apesar de ter apenas vinte e quatro anos, minha aparência já era de mais de trinta, com as marcas da violência doméstica estampadas em meu rosto, e em meu corpo. 

Mesmo tentando evitar ao máximo, com vinte e seis descobri que estava grávida outra vez. Fiquei desesperada, com medo de ser outra menina, mas quis o destino que dessa vez viesse o filho que ele tanto desejava. Quando ficou sabendo do resultado, quase explodiu de felicidade, prometeu que mudaria e que, dali em diante, tudo seria diferente. E até foi, por um tempo. Diminui com o álcool, e parou de cheirar dentro de casa, começou a fazer uns biscates e a me tratar com um certo respeito, durante o sexo. 

Quando a criança nasceu veio a surpresa, e a decepção. Ao pegar meu bebê no colo, ainda na sala de parto, percebi que tinha algo de errado com ele. Pouco depois fui descobrir que ele nascera com Síndrome de Down – provavelmente por conta dos abusos do pai com as drogas, durante a gestação. Paulo André ficou revoltado com a notícia, me culpou por ter dado a ele um filho retardado, e rejeitou a criança. 

Depois desse dia minha vida virou um inferno. Tinha que cuidar do meu filho especial, das meninas que a essa altura eram meu único ponto de apoio, e ainda atender às vontades do meu marido. Suas perversões agora tinham ganhado outro sentido – seu prazer era me fazer sentir dor e humilhação, por isso se divertia enfiando as coisas dentro de mim durante o sexo, me amarrando e me espancando. Seu sadismo chegou ao ponto de me obrigar a ter relação perto dos meus filhos, com eles assistindo.  

A essa altura minha filha mais velha, já com doze anos, depois de ter crescido naquele ambiente, vendo as surras e a forma como o pai me tratava, tinha se tornado minha melhor amiga, mas também desenvolvido uma revolta e um ódio mortal contra ele, que o ímpeto da adolescência não deixava esconder. Estavam sempre brigando, ela o enfrentando enquanto meu marido ameaçava espancá-la. Para evitar que o pior acontecesse, ia para o quarto e deixava que descontasse em mim toda sua raiva e frustração. 

Até que um dia, entrando em casa ouço os gritos da minha menina mais velha. Quando chego no quarto, vejo Paulo André em cima dela, tentando tirar sua roupa para violentá-la. Naquela hora o sangue subiu à minha cabeça – eu que sempre me submeti às vontades daquele monstro, que nunca chorei ou reclamei durante o sexo sujo, não podia permitir que ele fizesse a mesma coisa com a minha filha. Num ataque de fúria agarrei ele com força e o joguei no chão, que bateu a cabeça num móvel, e caiu sangrando. Corri até a cozinha, peguei a maior faca que encontrei, e comecei a furá-lo sem dó, até que em volta de mim só restasse sangue e alívio.” 

Minha filha, termino aqui essa carta com a certeza de que você e seus irmãos agora estão bem e em segurança, junto de seus avós. Fiz questão de lhe contar a história desde o início, para que conhecesse as razões que me levaram a estar onde estou e, mais do que isso, para que entendesse que você foi – e sempre será – a melhor parte de mim, minha melhor amiga, meu porto seguro. Por esse motivo, nunca poderia deixar que nada de mal lhe acontecesse. Sei que cometi um grande erro, e estou pronta para pagar por ele, mas hoje meu amor, dia sete de setembro, quando se comemora a Independência do Brasil, acredite que eu também comemoro a minha independência. Pela primeira vez, em quase vinte anos, me sinto livre novamente. 

Fica com Deus, e nunca se esqueça que sua mãe te ama muito. 

Sistema Prisional Estadual  
Presidio Feminino – cela 35/pavilhão 2 


Sérgio Soares

Homem de Letras e Escrevinhador que desenha as palavras, assim me defino. Através da escrita me reencontro, me descubro e reinvento. É através das minhas personagens, e do mundo ficcional que criei, chamado Prosperidade, que faço a catarse de todos os meus dramas, dilemas e regozijos. Enquanto Professor não poderia deixar de ter como tema a Educação, em especial a Básica Pública, mas enquanto Homem da Pólis também discuto Política e Conjuntura, entendendo ser esse o papel social de um formador de opinião. 


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