– Ai, mãe, tá doendo!
– Desculpa, filha, mas é que tem um baita nó aqui e eu preciso tirar!
– Para de puxar! Tá puxando o meu cabelo! Ai!
– Filha, não posso fazer nada, eu preciso tirar os nós, desembaraçar!
– Ai!
– O que você fez nesse cabelo, afinal de contas?
-Nada!
– Rolou no chão?
– Não!
– Tá sem pentear faz três dias?
– Ai, mãe!
– Esse nó não vai sair nunca! Vou ter que cortar!
– Para de puxar!
– Posso cortar?
– Pode.
– Tem certeza?
– Tenho!
A mãe sai correndo atrás de uma tesoura dentro de casa. Cata um elástico no meio do caminho, penteia as raízes mais uma vez, junta tudo do jeito que dá, prende com o elástico logo acima do nó. Tesoura em punho:
– Vou cortar.
– Corta!
Do meio das costas, o cabelo foi parar no ombro. Parece que ficou meio torto, mas ficou lindo! Um rabicó de cabelo loiríssimo na mão de Luísa, cabelos loiros mais escuros na cabeça de Ana.
– Posso ir brincar agora?
Esse foi o primeiro corte de cabelo da vida da menina, pois a mãe estava enrolando para cortar. Não era de hoje que estava difícil tirar os nós. Quando não era Luísa que enrolava, era Ana que disfarçava e não deixava.
Da parte da mãe, era um misto de dó, medo de deixar torto e de se arrepender pela dificuldade para prender depois. Um emaranhado de coisas práticas e emocionais.
Mal cortou o cabelo, Ana correu para mostrar pro pai. Qual não foi a surpresa de Luísa quando vê um homem boquiaberto, com lágrimas nos olhos diante do cabelo curto da filha. Luísa ficou sem saber o que fazer. A criança toda serelepe com o novo visual, ansiosa pela opinião do pai, que passava a mão na cabeça da filha e falava “que lindo!”, enquanto olhava desolado para a mãe, sussurrando “que dó!”.
Luísa encafifou. Um simples ato prático teve uma reação emocional diferente em alguém da casa. Era de se esperar que mãe e filha ficassem chateadas, mas Luísa nunca imaginou o marido entristecido. O que isso significava?
Não sabia a quem recorrer. Precisava conversar com alguém. Uma mulher mais experiente, talvez. Pensou na mãe, mas essa estava viajando. “Se a vovó estivesse aqui…”. Foi quando se lembrou do grosso livro de capa amarela.
Buscou no alto da estante e encontrou o que tanto procurava: o dicionário de símbolos de sua falecida avó. Nele, muitas páginas de coluna dupla e letras minúsculas explicando que o cabelo conserva relações íntimas com o ser ao qual pertence mesmo depois de separado do corpo. E mais: guardar mechas de cabelo de crianças revela a vontade de fazer sobreviver o estado da pessoa dona do cabelo.
Elaine Miragaia é natural de São José dos Campos-SP, atualmente residente em Caçapava-SP. Psicóloga, arteterapeuta e leitora compulsiva, há 21 anos trabalha exclusivamente com mulheres. Adepta das intensidades, das hipérboles e do uso de palavrões como advérbios de intensidade, escreve crônicas, relatos e, vez ou outra, resenhas bastante pessoais sobre os livros que a atropelam. Compartilha seus textos no instagram pessoal, @elainemiragaia, e no instagram do clube do livro Elas Reveladas (@elasreveladas).
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