Hoje não tem poesia. Tem janela aberta. Um tempo coberto por algumas nuvens negras. O sol por entre nesgas aparece sorrateiro com um rato na soleira. Hoje o dia é breve embora pareça encerrar quase noventa anos em si. O trajeto de uma vida. Das poucas forças e da esperança de mais uma lavoura perdida em um incêndio. A esperança incendiada. Da falta de esperança que resultou a minha própria vida. E hoje, um dia após o Natal, após o solstício de verão, a luz se encerra. Se recolhe para carbonizar novamente em outro momento. Da terra arrasada. Do solo perdido sem verde qualquer. Sinto a força da raiz dizer mais forte que qualquer conjunção astral ou verbal. Há um silêncio de um galho arrancado de árvore. Sinto em mim, como uma planta qualquer ao perder um galho. Não a dor do luto, mas a dor de perder um galho. A planta perde a força. Fica fraca, embora certa que irá se fortalecer em breve. Por hora a dor da ausência. A perda talvez de parte da raiz, por isso a tonteira repentina, o desequilíbrio momentâneo. A instabilidade do dia de sol fraco após a chuva. O mormaço não secou o solo pantanoso. A cicatrização naturalmente ocorrerá em dias de sol. O sol queimará as lembranças amargas pois a árvore segue a crescer. O machado são os outros. A árvore não pode desejar a morte mas que seu próprio algoz. A vida segue. O tempo da invernada se extingue. O verão já serpenteia entre as bocas. As folhas secas já caíram. Mas a raiz segue forte.Espraia pelos invisíveis espaços não humanos. A vida se ergue de baixo para cima. O invisível estrutura nossos pés. O luto da perda de parte da raiz, é luta para a planta, que se fortifica à noite para manter-se na manhã que já raia entre as fronteiras das horas. A vida se sustenta de pé mesmo entre revoadas. A vida é a poesia.
Rodney Wilbert é Artista Visual. Assinou a cenografia de diversos espetáculos teatrais do Museu da Vida (FIOCRUZ), dentre elas PARACELSO, O FENOMENAL (2019) e CIDADELA (2019). Figurinista Assistente junto a Marcelo Marques nas produções O CHORO DE PIXINGUINHA (2018) com direção de Sergio Módena e O DESPERTAR DA PRIMAVERA (2019) com direção de Charles Möeller, vencedoras na categoria Melhor Figurino dos Prêmios CBTIJ e CESGRANRIO, respectivamente. Diretor de Arte de PÉ DO OUVIDO (2019), poesia cênica de Stella Brajterman. Autor do projeto audiovisual TEMPO: SERRA (2020). Autor da videoperformance CORPORRESPONDÊNCIA (2020), para a Revista Corre. Diretor de Arte da Websérie INVASORES (2021). Cenógrafo e aderecista do espetáculo QUEM É O ZÉZINHO (2022), indicado na categoria adereço pelo Prêmio CBTIJ.
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