Um tratado sobre liberdade feminina no cristianismo

Acredito que sempre quis escrever sobre os usos e significados do ideal de feminilidade dentro da esfera religiosa – do protestantismo, para ser mais exata – e, mais do que isso, sempre quis explorar a dinâmica na qual a mulher está submergida dentro das estruturas invisíveis que regem o corpo da comunhão mediante ao racional e ao institucional da Igreja enquanto tal que, historicamente, passou da marginalização a uma ascensão andando ao lado do Estado e guiando, por séculos, as decisões que concernem não só apenas à moral. No entanto, gostaria de enfatizar essa última abordagem para percebermos como isso desaguou na organização do espaço nas mais diversas sociedades. Trazendo a ideia de espaço, me refiro a lógica do público/privado como elemento revelador de uma reprodução à forma com que a mulher foi, e é absorvida nesse meio que, por força estrutural e histórica, desenvolve-se e estabelece os limites nos quais o ser feminino é subjugado as funções que lhe atribuem.

Em seu livro “Filosofia Feminista: uma breve introdução”, Ivone Gebara chamará a atenção para a construção da figura da mulher sempre assimilada ao espaço da casa, na gestão dos filhos e, ao fim e ao cabo, daquilo que se tratava do privado – o que, por séculos, trouxe um apagamento e silenciamento daquilo que era produzido por mulheres externo as preocupações nas quais essa era incumbida em seu nascimento. A figura masculina, por sua vez, era designada e associada a guerras e invasões, no intuito de se caracterizar por uma figura que controla sentidos e sentimentos em prol de desafios de “gente grande”, sabe? Aquele que defende território, que produz e absorve o ensino do abstrato (com muitas aspas, a filosofia) e que se preocupa com questões públicas, interpretadas como superiores. A racionalidade, assim sendo, foi usada como ferramenta de exclusão por não ser associada às questões privadas mantidas dentro da casa, tais como a gestão e a organização dessa.

Quando transportamos esse breve parecer para as realidades contemporâneas, sobretudo no espaço da igreja, da comunhão (que é o foco aqui), percebemos uma carência na crítica da reprodução de funções que se espelham na noção do que se considera ser a mulher. Veja bem, ousamos dizer que a mulher pode trabalhar fora (e, certa vez, participei de uma programação onde diziam que esse era um fator infeliz, mas necessário no presente, onde tudo é caro), mas ao mesmo tempo espelhamos, através das designações de liderança nesses espaços, o que consideramos fazer parte exclusiva da capacidade cognitiva da mulher; nesse sentido, concede-se a elas a liderança dos postos de cuidado das crianças e da cozinha e/ou cantina e a Igreja acaba por refletir o que, social e culturalmente, se entende como o “ser mulher” e mais: atribui, ao cumprimento dessas funções, a lógica daquilo que seria valoroso. Veja, atribuir valor a uma postura que sempre limitou as mulheres é um dos fatores que auxiliam na manutenção dessa lógica desigual e extremamente opressora. O cárcere invisível se mantém pela pressão da expectativa externa – que nem sempre é masculina, mas também tem adesão (consciente ou não) por parte de outras irmãs que se sentem ameaçadas na ideia de perda do posto que, na lógica religiosa, as legitimariam como “valorosas”. A percepção de que a reprodução desse mesmo cárcere parte de ações majoritariamente masculinas é enfraquecida quando analisamos a capilaridade do sistema patriarcal. Um exemplo: Gineceu Medieval; sendo um lugar composto por vassalas e uma “senhora” que as direciona, é possível suscitar algumas comparações e problemáticas com os desafios contemporâneos que nos obrigam a explicar que feminismo não é apenas opressão de homens sobre mulheres, e sim essa opressão perpetuada pelas próprias mulheres. Questiono: “A ótica da Senhora sobre poder e/ou empoderamento alcança a vassala?” Não! No entanto, essa mesma Senhora defenderá que o seu posto é uma prova cabal da participação feminina na dinâmica social e, portanto, não é necessário discutir sobre desigualdade de gênero. Lanço mão de uma variável: o poder concedido a Senhora foi dado por um homem. Pense. Concluo esse raciocínio com a seguinte afirmação: homens delegarão poderes a mulheres específicas e criarão a ilusão de “autonomia” como forma de perpetuar o seu domínio sobre outras milhares.

Gebara traz também em seu livro o mito das Amazonas; nele, mulheres assumiam postos de autenticidade e conveniência pública e, por serem mulheres, mutilavam um dos seus seios para melhor se adaptarem ao arco. Meu irmão, a reprodução dos ideais genuinamente masculinos de poder sobre o outro, ainda que reproduzidos por mulheres, as obriga a mutilação – e nesse sentido não me refiro apenas a uma mutilação física como conta o mito, mas a uma mutilação das diferenças de gênero, a ponto de ideias como “a mulher precisa satisfazer o seu marido sempre que esse quiser pois a atividade sexual para ela basta abrir as pernas” ganharem absorção social! Estupro anunciado! A objetificação de seu corpo quando o que importa, entre todas as reuniões religiosas, é o aconselhamento de como ser uma boa mãe e esposa. Ainda que atrelado à lógica de serviço inerente a todo cristão, isso se manifesta numa cadeia de poder sobre a mulher: essa passa a ser sua missão e objetivo sendo que, antes de esposa e mãe, ela é um ser humano, passível a diversos sentimentos, comportamentos, enfim.

Não pretendo, nesse brevíssimo ensaio, descaracterizar os elementos maternidade e casamento ou desassociá-los do cotidiano de muitas mulheres, mas sim anunciar, com muito respeito e amor, que o equilíbrio e a harmonia nas concepções e designações sobre ela trarão liberdade e tornarão sua caminhada mais leve; pois enquanto a sua experiência for essencialmente guiada por fatores que não partem de sua escolha, mas da escolha de terceiros que legitimam como “vontade biológica de Deus”, ainda haverá uma força invisível que mutila o seu potencial.

O tratado sobre liberdade parte, fundamentalmente, da ideia de que mulheres possuem potencial não apenas visível, mas também nas esferas espirituais. Eu amo todas as mulheres que passaram pela minha vida e liberaram o frescor de Deus, mas fico irada ao pensar que essas eram subjugadas por exceções divinas e, portanto, não poderiam tornar público o que Deus as deu. Pastoras, profetizas, mestras, evangelistas e apóstolas, muitas foram instrumentalizadas e jamais, jamais legitimadas como agentes ativos de Deus na Terra. O medo de que mulheres encontrem seu grito de liberdade – não apenas espiritual – é tanto que, quando encontramos na bíblia um relato sobre Júnia (Romanos 16:7), apóstola antes de Paulo, temos uma mobilização teológica que a caracteriza como sendo um HOMEM! Sim, o receio é tão profundo que, ao menor sinal de faísca nessa área, adaptam a narrativa e, eliminando a figura feminina, delegam seu sentido masculino – o que, no entanto, não se comprova, pois o uso do nome “Júnia”, aparece nos documentos do período para se tratar de mulheres. A mulher é chamada por homem para se adaptar a doutrinas criadas por força do masculino ao longo do tempo, mas que em nada contemplam o valor e amor de Deus pela mulher, pelos olhos daquela que foi escolhida a vê lo após a ressurreição. Mutilam Marias diariamente.

Além do apagamento, do silenciamento e da marginalização da atuação feminina na história primitiva do cristianismo, temos esse mesmo processo sendo absorvido e reproduzido, dada a sua respectiva contemporaneidade, ao longo da história. Veja Priscilas, Fabíolas, o movimento das Beguinas, Von Boras, Schutz Zells, Sojourners, Grimkés e todas as outras que utilizaram das brechas para liberar a chama que envolvia os seus corações, a saber, o amor pelo Cristo Nazareno que ressuscitou e liberou também sobre elas discernimento, dons e reconhecimento por parte do Pai. Maria, irmã de Marta, se sentou e foi aprender com o mestre; no entanto, a interpretação de seu ensino está impregnada nas pregações apenas como parte de uma exortação a Marta. Observe: uma mulher aprendeu aos pés de Jesus! Isso não te alegra? Isso me deixa em êxtase! Ela escolheu a melhor parte, segundo Jesus, pois ressignificou a experiência feminina do seu tempo e parou, o que externamente esperavam sobre ela, para renovar sua mente a partir da ótica do Pai e de Seu tempo, que move o espírito pelo fio da eternidade. Ouso dizer que Maria sentia o jugo das funções que lhe esperavam desde o nascimento perder a força! Encontrar e trabalhar com o nosso potencial produz novidade de vida, amplia a concepção de Boa Nova e nos traz a ideia revolucionária de que somos alvo dos planos de Deus (e não apenas figurantes em nossas próprias trajetórias).

Li um artigo do autor chamado Gustavo Alencar denominado “Evangélicos e a Nova Direita no Brasil: os Discursos conservadores do ‘Neocalvinismo’ e as interlocuções com política”, o qual traz relatos e reflexões a partir de um trabalho de campo; ou seja, Alencar se dispôs a presenciar e participar dos eventos de um determinado grupo cristão. Sua série de anotações me tirou o fôlego em dois pontos muito sensíveis: falar da igreja e da ignorância. Assimilando maternidade e missão feminina, o preletor do evento acompanhado se apropriou de uma narrativa onde o corpo feminino é plataforma de exploração.

A naturalização do que não é desígnio natural foi legitimada historicamente nas relações de poder não só entre os gêneros. Dessa forma, a caracterização das diferenças como forma de marginalização e opressão servem a um propósito e a uma teologia intencionalmente única – o que garanto não partir de uma simetria bíblica pois, ao reproduzirem tais sistemas, vão contra ao que, de fato, constitui a natureza do Criador que se estabelece de forma harmônica e igualitária. Por receio, assim creio, banalizam mulheres cristãs que já alertam sobre esse erro histórico no seio da igreja, não apenas nas delegações de funções mas também de interpretação bíblica.

No entanto, aviso que estes não precisam temer a perda do poder, pois o objetivo do feminismo (sobretudo na arena religiosa) é emancipar a mulher de um papel onde o homem se apresenta como seu mediador na relação com Deus e, portanto, superior na cognição espiritual. Concluindo, o movimento feminista na perspectiva cristã colabora para a abdicação de um poder soberano que, biblicamente, deve pertencer a Deus, apenas. Havendo um governo soberano para além Dele, o mesmo se caracteriza como tirania, em sendo disforme e opressor. Certamente, a consequência dessa mentalidade irá implodir os limites dos espaço religioso que dão à mulher lideranças apenas de setores como o cuidado com as crianças e cantina/cozinha (assim oro). Dito tudo isso, prefiro crer na teologia que serve e ampara, que parte de um Deus que não assume gênero, mas se compromete em ser TUDO em TODOS.

A seguir, relatos e reflexões de mulheres reais, falando de problemas reais em igrejas reais:

Lorena

“minha mãe é muito submissa, as vezes tenho raiva porque ela não questiona, ele… ela aceitou o lugar dela”

“eu fico full pistola quando vejo casos de mulheres na igreja que são agredidas e abusadas pelos seus maridos e a igreja é contra ela se separar, pois a mulher deve ser submissa e ela deve orar e fazer o homem, né (?) ele se comportar novamente como deveria e que a separação é uma vida em adultério. (…) Isso é machismo e totalmente contra as regras de bem estar, da vida… Se ela está apanhando é por que o marido tem autoridade sobre ela?”

“Na igreja, as mulheres sempre ficavam com as tarefas de organizar as coisas, enfim, falavam: “- ai, a gente gosta!”; mas assim, complicado ver o que você gosta e o que você aceitou por ser assim e não vai mudar, sabe?”

“Outra coisa que me incomodava.. em retiro, encontro de carnaval, enfim. Os meninos eram sempre aqueles que faziam bagunça e infernizavam todo mundo e ficavam com as meninas, e quem ficava com nome sujo eram as meninas. Era dito assim: homem é assim mesmo; e as meninas ficavam como erradas por ser a fulana que ficou com fulano no acampamento de carnaval” .

“Tem aquela coisa, embora eu e meu irmão tenhamos uma pressão por sermos filhos de pastores, ele ainda era visto de forma mais tranquila, sabe? Porque ele era um menino e poderia fazer o que quisesse. Mas, de mim, eles esperavam sempre muito mais, e eu sempre fui meio fora do padrão ali dentro e isso me custou muito… as pessoas não me ouviam, era muito difícil eu conseguir poder falar para jovens e tal pois não era ouvida, não só por ser mulher mas pela aparência, estilo, … era uma coisa muita complicada”

Olívia

(sobre tocar bateria) “Em vários momentos e em igrejas diferentes ao longo de quase uma década, eu experimentei algumas situações que no começo me faziam sentir envergonhada, como se eu tivesse feito algo de errado. Mas com o passar do tempo, percebi que tinha simplesmente a ver com o fato de eu ser menina. Tipo o fato de um líder de louvor nunca me escalar para tocar em um domingo, dia que a igreja fica mais cheia. E eu era a única a não ser escalada no domingo. Sempre só na quinta feira, dia que a igreja fica mais vazia… e quando eu cheguei a perguntar o porquê, me responderam que eu ainda era muito nova, ou que com o tempo eu ia ser escalada no domingo. Como se eu não fosse boa o bastante pra tocar no domingo…”

“Posso desabafar? Tipo, me dá bastante raiva quando alguém da igreja vira e fala: ‘nossa, até que você toca bem pra uma menina!’ Ou… ‘Você bota muito marmanjo no chinelo’. Até os elogios são sexistas, sabe? E quando alguém que vai liderar no louvor me manda mensagem dizendo a música que quer tocar e me fala na mensagem: ‘Olívia, você sabe tocar essa música? Tudo bem pra você? Se você precisa trocar com alguém, me avisa’, essas coisas que tenho certeza que não perguntam pra nenhum outro baterista… E quando um outro menino chegou pra mim e disse que eu tocava muito baixo e que não precisava bater na bateria como uma menina… que dessa vez eu podia bater como menino.”

Estranho como isso se torna comum nas atividades da igreja. Como se todas as atividades fossem masculinas, como se pregar fosse algo masculino, ou qualquer outra coisa. Também já vieram falar comigo sobre o jeito que eu me vestia na igreja…”

Laura

” A definição do termo machismo fornecido pelo dicionário Aurélio nos fala de ‘opiniões ou, atitudes que descriminam ou, recusam a ideia dos direitos entre homens e mulheres… Excesso de orgulho masculino, “macheza” ‘ . Em dramáticas ocasiões, presenciei muitos fatores machistas, inconveniência dentro do ambiente que chamamos de casa de Deus! Muitas mulheres ainda se sentem domesticadas com o termo “mulheres e igrejas.” Jesus sempre será a maior inspiração para o feminino cristão. Enfrentava todas as estruturas machistas e o patriarcado presente, que tratavam as mulheres como um ser de segunda categoria. A Bíblia nos traz marcas dessa cultura patriarcal, mas o maior problema são interpretações machistas feita por homens com intenções de manter a ordem patriarcal da sociedade e da igreja. É importantíssimo uma leitura bíblica com a perspectiva feminina. Isso é muito importante no atual contexto, onde a Bíblia tem sido usada como arma de intolerância e violência contra a mulher; isso é uma apropriação do discurso religioso, fazendo usos e abusos da Bíblia como instrumento de legitimação de um poder. Os grupos privilegiados tentam voltar com a supremacia machista, branca e de classe média-alta, usam e abusam da palavra de Deus para colocar a mulher em lugar de submissão e inferioridade. Como cristã feminista que sou, discordo muito de certos posicionamentos no quesito pastoral; já ouvi discursos primordiais a respeito da conduta do feminino na igreja, “como devemos nos comportar”. Feridas em mim e em muitas mulheres como eu, que precisam ser saradas por sermos esmagadas psicologicamente por pensar diferente e defender o meu gênero, por entender a minha importância dentro da igreja como uma mulher feminista. Infelizmente, vejo igrejas reclinadas a desenvoltura do feminismo, e mulheres incríveis presas dentro de uma caixa chamada “submissão”, usando esses termos para nos aprisionar. Já vi situações de homens sendo deslanchados em ministérios por serem do gênero masculino. Quase nunca somos ouvidas; já passei por situações de assédios/abusos e ter que falar com meu pastor: “eu irei te provar que não estou mentindo”, justamente por não ter voz, não ser ouvida e ser mais uma vez tratada como inferior ou uma desqualificada. Vou deixar uma breve reflexão, quantas mulheres bateristas você já presenciou na sua igreja? Aliás, você conhece alguma? Por favor reflita. É nos mínimos detalhes que reparamos tais coisas e é por eles que vamos começar a fazer a diferença.”

Manuella

“A igreja tem um poder imenso sobre a sociedade, afinal é dela que são tirados os conceitos de moral que a sociedade segue, desse conceito vem as definições do que é certo e errado e, baseado nisso, vem a definição de quem é bom e quem é mau. No Brasil, temos a imagem do crente moldada em cima de uma figura pentecostal; levando a conversa pro feminino, a imagem que vem à mente das pessoas quando falamos de uma mulher crente é a de uma mulher com cabelos longos, saia longa, blusa tampando todo o corpo e, normalmente, raivosa; intrigante, já que o que o evangelho nos ensina é que primeiramente, Deus não se importa com aparência, e sim com nossos corações, e que o segundo maior mandamento é amar uns aos outros. Mas a imagem do crente é ligada a essa figura brava, conservadora e pronta pra te apedrejar diante do seu primeiro erro (completamente diferente do exemplo que Jesus nos deixou). Em contrapartida, temos o evangelho cool, que surgiu há pouco tempo no Brasil, seguindo um padrão estadunidense, que diz ter uma pegada mais liberal, onde “você pode usar a roupa que quiser”, “você é livre pra fazer suas escolhas”, “nós não te julgamos, somos uma família”, e, nas primeiras visitas a igrejas desse gênero, nós somos levadas a acreditar que finalmente surgiu um povo que entendeu a mensagem de Cristo e exerce o que é ser igreja. O design moderno, o pastor estiloso que usa gírias nas pregações e o liberalismo que permite o uso de bonés e calças rasgadas disfarçam o fato de que o conservadorismo patriarcal machista, que é extremamente preconceituoso em todos os aspectos, ainda domina essa estrutura RELIGIOSA, que segue os princípios de moral criados pelo homem, e não o coração de Deus. Eu sou uma jovem de dezoito anos, cristã, e frequento uma igreja há alguns anos; sou também feminista e líder de um projeto social que cuida de mulheres vítimas de abuso. Quando me converti, aos 15, me apaixonei pelo ministério de jovens da igreja, que tinha essa linha liberal de aceitação, onde pregavam com bonés e calças rasgadas, os adolescentes que frequentavam os cultos ouviam funk e rap, e existiam até células nas pistas de skate da cidade. Baseado nessas atitudes, eu me encantei por esse evangelho de liberdade que me foi apresentado. Comecei a ler a Bíblia, desenvolver um relacionamento sincero com Deus, e era discipulada por uma outra mulher jovem. Quando cheguei à igreja, antes da conversão, eu me relacionava com muitos meninos ao mesmo tempo, saía muito e usava as roupas mais curtas e decotadas possíveis – afinal ,esse era meu estilo de vida; e inicialmente fui bem aceita pela comunidade desse ministério, apesar dos toques de sempre como “meio sem noção essa roupa pro culto né”. Me lembro de algumas vezes onde eu queria muito orar e pular na presença do Senhor, mas me sentia incomodada com o julgamento alheio pela roupa que eu estava; inclusive, um episódio muito marcante pra mim foi quando fui a uma célula de mulheres e estava com a blusa da escola cortada na barriga (tinha transformado o uniforme em cropped); o tema da célula foi “vestimenta” e as líderes discursaram sobre como nós mulheres, não podíamos nos mostrar porque isso leva nossos irmãos homens a pecar. Uma das frases usadas foi: “imagina você de shortinho andando pela rua, um homem casado passa e te vê; é claro que ele vai te olhar, vai até virar o pescoço e vai te desejar. Ou seja, por causa da sua roupa, você está levando ele a pecar, e isso é um pecado seu também!”. Eu acreditei fielmente nessas palavras e me senti constantemente culpada por ter feito tantos homens pecarem, ó coitados, ingênuos! Depois de um tempo convertida, comecei a ministrar através de alguns ministérios da igreja, e essa pressão só aumentou. Uma das líderes comentava em todas as minhas fotos um aviso pra que eu as apagasse, fazendo com que, mesmo que fotografia seja algo que eu ame, seja um dom que Deus me deu, eu tenha deixado de fotografar e de usar minhas redes sociais por meses, por não me sentir confortável em publicar foto nenhuma – já que todas eram motivo de alguma crítica, indicando que era uma arma de sedução. Muitas vezes, fui impedida de atuar nos cultos pela minha roupa, muitas vezes! Não foram algumas, foram incontáveis vezes. Em uma das últimas que aceitei tal posicionamento, eu usava um body que tinha uma abertura nas costas, e a líder mandou que eu voltasse pra casa, pois, pra ela, eu não estava adequada para permanecer na casa do Senhor e tiraria o foco dos homens. É repugnante perceber como as pessoas realmente acreditam que os homens são crianças que precisam ser poupadas o tempo todo, às custas da pressão em cima das mulheres. Nós temos que nos privar pra facilitar a luta deles contra a carne, esse é o discurso! Não é preocupação de como o Espírito Santo se sente com nosso comportamento, nunca foi! É preocupação em defender os homens de sua própria fraqueza perante seus pecados cometidos contra Deus e suas irmãs.”

“A filosofia feminista surge quando nós, mulheres tomamos consciência
que também nós somos convidadas á mesa do pensamento,
e temos todas as possibilidades de pensar a vida com maestria e sabedoria.”
(GEBARA, 2017, p 87)

Para todas as minhas irmãs. Vocês não estão sozinhas.


Gyovana Machado é Cristã, graduanda em História pela UFJF e formada no Seminário Teológico Rhema Brasil. 


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