Aos 14 anos, na escola, após escrever uma redação sobre Suzane Von Richthofen, aprendi que, ao escrever, eu conseguiria eternizar pessoas e acontecimentos. Desde então, comecei a eternizar tudo o que me chamava atenção – desde o menino dos olhos verdes que atravessou a rua na esquina da Fernandes Vieira até o jovem casal que encontrei enquanto esperava por um documento; sem falar no cãozinho que nomeei de Lulu, e resolvi eternizá-lo depois que foi atropelado pelo carro ao lado do meu enquanto voltava da faculdade.
Uma outra forma que sempre gostei foi a de escrever cartas, que raramente foram lidas por seus destinatários, mas me serviram para eternizar sentimentos e pessoas da minha vida e de momentos específicos. Hoje, entretanto, gostaria de eternizar um amigo – que, na verdade, sequer sabia ser meu amigo. Eduardo. Alto, galego, magro e desengonçado, ele transformou minhas tardes, me proporcionou conversas maravilhosas, me ouviu, criticou o meu design e me contratou (não oficialmente) para fazer o seu convite de casamento.
Mas deixe-me, antes, contar-lhes como Eduardo chegou nas nossas vidas. E como ele saiu.
Meus pais e eu tínhamos uma loja de peças e serviços de moto. Certo dia, ao voltar do meu horário de almoço, meu pai me contou a respeito de um cliente que havia passado todo o tempo chorando e contando a história do término do seu relacionamento (e, consequentemente, de toda a sua vida). Meu pai é um homem de poucas palavras, e eu não consigo imaginá-lo nesta situação; mas ele disse que ficou tão comovido com o rapaz – o qual, segundo ele, tinha nome de cantor famoso – que acabou consolando-o.
O rapaz em questão continuou a aparecer, sempre no meu horário de almoço e, por isso, nunca nos encontrávamos; mas ele e meu pai conversavam bastante. Até que, um dia, ele se atrasou e, finalmente, eu o conheci. Estava sentada no caixa lendo um livro quando ele perguntou pelo meu pai na outra ponta do balcão. Abaixei o livro, olhei na ponta dos olhos e respondi que ele não estava. Ele continuou parado por alguns minutos me olhando, até que falou.
“Você é muito bonita.”
Balancei a cabeça e continue a ler o meu livro. Não era o primeiro homem a falar alguma coisa. Então, após perceber que eu havia ficado ainda mais séria, ele andou apressado para perto do caixa, aproximou-se do meu rosto e disse:
“Estou falando com todo respeito, viu? O seu pai me conhece, mas é que você é realmente muito bonita. Eu sou Eduardo, tudo bem?“
E estendeu a mão para me cumprimentar. Fechei o livro, e começamos a conversar sobre sexo no namoro. Sim! Este foi o assunto da nossa primeira conversa. Em meio a isso, ele me falou sobre seu relacionamento, e sobre como não tinha certeza a respeito dos sentimentos dela. Daquele dia em diante, todas as vezes que Eduardo aparecia, o primeiro momento era desesperador – porque, geralmente ele havia caído da moto, tudo porque andava feito um louco. Depois era só risadaria e conversa. Falávamos sobre tudo.
Certo dia, enquanto estava trabalhando, recebi uma mensagem com uma sugestão para alterar a logo da loja (que eu havia criado). Mandei uma resposta pra lá de desaforada, dizendo que ele não entendia de design e que queria estragar o que eu havia feito. Ele me pediu desculpas e riu bastante da minha “fúria”. Esse era Eduardo. Quando apareceu na loja novamente, lhe mostrei vários dos meus trabalhos e ele contou que iria casar em setembro daquele ano e gostaria que eu fizesse o seu convite de casamento. Fiquei feliz!
Os dias em que Eduardo aparecia eram os melhores dias. Quando sumia, meu pai mandava mensagem perguntando por ele. Além disso, era o único cliente que tinha um caderno de dívidas. Na segunda-feira, 23 de julho de 2018, chovia muito, quando ele apareceu no meu horário de almoço, parou na loja, colocou a capa de chuva, cumprimentou meu pai e foi embora. Não nos vimos e nem conversamos naquele dia. Na quarta-feira, a noiva do Eduardo ligou para o meu pai e disse que, naquela segunda ele havia sofrido um acidente.
Após sair da loja, em sua moto Lander azul e branca, não muito distante dali, e pela primeira vez sem fazer nada errado, um caminhão atravessou o sinal vermelho e o atingiu. Fiquei sabendo na manhã seguinte. Enquanto tentava fazer o pagamento das contas, como geralmente fazia, enviei uma mensagem para o whatsapp do Eduardo, pois precisava dizer a sua noiva o quanto eu sentia e o quanto ele a amava. Rapidamente ela me respondeu. E conversamos por alguns minutos.
Soluçando e sem saber seu nome, eu a contei que era amiga do Eduardo, que todas as vezes que conversávamos ele me falava o quanto a amava e o quanto estava feliz em se casar com ela. Falei que sentia muito e não poderia imaginar o tamanho da sua dor, mas que ela soubesse que, por vários lugares haviam pessoas orando por ela e sofrendo com saudade, pela pessoa maravilhosa que o Eduardo havia sido.
Até hoje, sempre que vejo uma moto azul e branca, ou um rapaz alto, loiro e com cara de bobo, lembro do Eduardo, e sorrio. E agora, meus amigos, espero que vocês façam o mesmo.
Karina Mendonça é jornalista e escreve desde os 17 anos, pois acredita que as palavras podem fazer coisas maravilhosas, desde mudar o mundo, até fazer alguém sorrir. Ou chorar.
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