Quando criança, eu brincava de espiar o sol entre os meus dedos.
Naquela época, ainda não era comum descer para a praia assim que começavam as férias de verão. Então, eu aguardava ansiosamente pelos raros momentos que viajávamos para o litoral.
Meus pais gostavam de visitar os meus tios-avós – compromissos familiares -, e eu gostava da areia. Uma vez, perguntei ao meu pai quantos grãos de areia havia no mundo, ele não soube me responder; disse que era humanamente impossível saber. Foi aí que descobri que meu pai não sabia de tudo.
Eu sempre tinha muitas perguntas, mas fui percebendo aos poucos que meu pai não sabia responder à maior partes delas, ao passo que ele cansou de inventar explicações mirabolantes – como o dia que eu perguntei o porquê da água do mar ser salgada e acabei convencida que existiam fadas especializadas nisso. Quando minha professora me contou sobre os sais minerais presentes nas rochas que vão parar no mar… fiquei cinco dias sem falar com ele. Sobre o sol não nascer sempre ao leste, três. Agora, já não me lembro mais qual foi a última vez que ficamos sem nos falar. O que sei é que não era nada fácil me convencer de que existiam perguntas sem resposta; não é de se espantar que ele tenha recorrido à criatividade para sanar algumas das minhas dúvidas.
Antes de me mudar, enquanto tentava fazer o meu quarto caber em algumas caixas, achei no fundo da cômoda um caderno que me chamou a atenção. Em meio a uma pilha de uma papeladas da pré-escola, na capa com alguns desenhos e uma caligrafia infantil podia-se ler “Só deus sabe”; folheando o caderno, achei uma lista de perguntas que pretendia fazer a Deus – todas aquelas a que meus pais não sabiam responder. Havia parado na pergunta 192. Criança, acreditava que quando morresse, quando finalmente me encontrasse com Deus, poderia finalmente acabar com todas as minhas dúvidas; ora, mamãe dizia que Deus era “oni- qualquer coisa”, aquele que sabia de tudo. Pois estava resolvido, passei a anotar todas para não esquecer.
Devolvi o caderno para o fundo da cômoda, fui embora sem ele.
Saí de casa, deixei 192 perguntas para trás e trouxe apenas uma comigo. Essa é a única que, agora, eu gostaria de saber a resposta – mais do que qualquer outra: Será que, um dia, meus pais vão entender que não existe apenas uma forma de amar?
Já adulta, parei de espiar o sol entre os meus dedos. Passei aproveitar os dias de sol, sem me esconder atrás das minhas próprias mãos.
Danielle Rocha é uma mulher lésbica cisgênera. É historiadora pela UNICID. Apaixonada por museus, urbanismo, prédios altos com mirantes e ciência da religião. Nas horas vagas, escreve poemas e faz desenhos de gatos.
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