Enquanto escrevo, vejo e ouço em minha mente Cássia Eller perfomando “Malandragem” e sinto o cheiro das capas de CD’s que ouvia em minha infância. Essa música e “Eu sou neguinha” eram as minhas preferidas daquele álbum de capa vermelha chamado “Música Urbana – o melhor de Cássia Eller”. Com seis anos, eu considerava ousadia chamar “O príncipe” de chato. Quem era aquela mulher diferente, meio masculina e subversiva?
No disco ao lado, Paula Toller performava feminilidade mais classicamente, com seus cabelos loiros e sua voz delicada. Eu era muito fã e poderia passar um dia inteiro ouvindo, sem parar nem enjoar. Talvez fosse até uma paixão utópica – eu só não sabia.
Os anos foram passando e, enquanto adolescente negra tentando encontrar espaço e ser aceita, precisava esconder minhas paixões secretas por algumas colegas; precisava achar bonito quem elas achavam bonito e gostar de quem elas gostavam – todos meninos, claro. Eu precisava me esconder. E senti que precisava. Até encontrar, em mim mesma, um amor que não cabia em esconderijo.
Quando percebi ser legítimo e genuíno o amor que eu nutria por uma mulher – sim, uma mulher como eu -, percebi que ele era parte de mim e motivo de orgulho. Eu queria mostrar para o mundo, queria gritar: “vejam, eu finalmente entendi o amor, conheci o amor, experimentei algo verdadeiro, aquilo de que falavam as histórias da minha infância!”
Mas me alertaram: “shhh, quem ama igual, se ama calado”. E, assim, mais uma vez, meu grito foi silenciado. Ou talvez… Só ignorado. Ninguém poderia silenciar meu corte de cabelo, meu jeito de andar e de falar; ninguém poderia me impedir de amar quem eu quisesse amar!
Hoje, grito enquanto ando de mãos dadas com minha noiva. Grito enquanto construímos uma família, a contragosto da família que me gerou. Grito quando existo, porque existo sob uma estrutura social que opta por objetificar ou invisibilizar mulheres lésbicas, em vez de valorizá-las. E existo enquanto mulher, negra, lésbica e médica num espaço dominado por homens, cis-gênero, brancos, heterossexuais, e suas formas de ver o mundo.
Grito com orgulho, na esperança de que nossas vozes sejam ouvidas, atendidas e nunca mais silenciadas. Existimos e somos importantes. Fazemos arte, sonhamos, construímos, pesquisamos, escrevemos, publicamos, pregamos… Somos parte de tudo o que a sociedade consome e produz. E construímos o caminho para que o mundo se torne melhor quando gritamos. Então, querides leitores, gritem comigo!
Martha Paula é uma mulher lésbica cis. Médica e poetisa de São Luís – MA. Conheça mais de seu trabalho no Instagram.
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