“Ai!”, pensou a flor do parque ao ser partida por um jovem apaixonado, que arrancara pétala por pétala e ainda quebrara o resto em mais pedaços, concluindo: “mal me quer…”. Triste, ele largou a última pétala, e depois o caule, e foi embora.
A flor, despedaçada e caída, aguardava seu triste fim; não sabia, contudo, a qual de suas partes espalhadas pelo chão chamar de si! Há poucos instantes, era o conjunto dessas partes que lhe dava a identidade de flor. Mas e agora?
Seria ela agora o caule? O cálice? As pétalas? Não, as pétalas não… sempre caíram e nunca fez muita diferença. Mas também sem as pétalas a flor se sentia descaracterizada. Todas suas partes espalhadas pelo chão lhe pareciam ter a sua importância.
Mas se a nossa protagonista flor era o conjunto total dessas partes, teria então seu triste fim já acontecido? Ou ela continuava a ser esse conjunto, porém com as partes um tanto mais afastadas?
Seus pensamentos foram logo interrompidos. Nesse meio tempo, uma jovem havia estendido sua toalha de piquenique sobre a grama e sentara-se para ler um livro. Ao fazer uma pausa na leitura, ela se deparara com os pedaços da flor. “Tadinha!”, apiedou-se, e começou a se entreter em remontá-la. Quando terminou de fazê-lo, a jovem voltou à sua leitura, e após um tempo foi embora.
As partes da flor então estavam próximas novamente, já não estavam mais unidas e jamais poderiam – isso marcava um ponto sem volta. Ainda assim, a flor também não sentia que tinha se tornado outra coisa.
E se o jovem apaixonado tivesse despedaçado inúmeras flores do parque até que elas respondessem: “bem me quer”? E se, assim como aconteceu com a nossa flor protagonista, as partes de todas essas flores fossem reagrupadas pela jovem mas misturadas no processo? Como dizer, ao final disso, qual flor era qual inicialmente?
O jardineiro do parque, na manhã seguinte, encontrou a nossa protagonista já apodrecendo sobre a grama. Ele a recolheu e a enterrou enquanto cuidava das outras flores – sabia exatamente qual flor ela era, pois ele mesmo havia plantado. Era o terceiro atentado àquele canteiro! O jardineiro pensava em colocar uma cerquinha de arame, mas concluiu que tiraria a beleza do local. Em vez disso, fez uma correção nos avisos do parque.
Proibido arrancar as flores.
Dê de presente, não despedace.
Josuan Vicenzi é poeta e estudante de música na UFJF. Participo de alguns projetos artísticos de vez em quando, por prazer. Gosta de literatura, música e teatro.
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