Toda vez que vou me pentear acontece
O espelho me fixa fundo nos olhos
Me fita em profundidade, sério
Analisa a cor da íris e o lábio sorri satisfeito
Mergulha então nas linhas faciais
Ali detem-se longamente
Observa cada detalhe que o importa
Costeleta medida e avaliada
Lábios aprovados nos contornos bem desenhados
Reprocho as orelhas grandes e em diferentes posicionamentos
Ri-se do nariz miúdo com aberturas circulares até demais
Verifica se há marcas de expressão
Pensa na moldura do penteado
Testa a lisura da tez e
Naturalmente reclama da barba. Rala, diga-se
E da dor de raspá-la
E da desdita de não desenhá-la
Coisas do virilismo irracionante
A mente, então, lembra p menino que antes exibia-se ali defronte
A superfície polida não escapa a comparações e previsões
Imagina brevemente. Faz ligeiro exercício futurístico
Já antecipa lamentações e espera a calvície
O olhar, então, busca o que não pode ver
Refaz a trajetória e receia de algum jeito
Teme um pouco o devir
Quando feliz, dá-se o prazer
Se triste, a busca de si mesmo
Já viu a criatura chorar e fazer caretas
Compenetrado, deixa o reflexo paralisado e ofegante
Na transformação exterior quiça a transfiguração interior
Será que estou refletido nesse espelho?
O último se indaga sobre quem é o primeiro de fato
Aparência para si e na sociedade, que tem de real?
Busca o inexplicado
Só ele o pode fazer
Às vezes parece que nunca vai conseguir
Não é fácil verificar a própria imagem
Em todos os seus significados
Na aproximação, o medo avassala
Próximos demais, difícil distinguir
Quem é o verdadeiro?
Gabriel Garcia é poeta. Atua como professor de Física nas horas vagas.
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