Oxum (do iorubá Òşun) é uma orixá com o mesmo nome do rio que corre na Nigéria, em Ijexá e Ijebu. Ela é a força da Mulher-Mãe. Orixá das águas, do amor e da fecundidade/fertilidade. É quem acalma meu coração e direciona minhas emoções. Mesmo sendo umbandista há um tempo, tive esse momento de epifania um ano depois que conclui o curso de doula e pude compreender todo o processo que enfrentei para chegar até lá.
Nas andanças e inquietações que surgem ao longo da estrada, me olhei no espelho e desaguei. Me propus a pensar sobre existência, ancestralidade e missão. O afeto por outras mulheres, seus recortes e realidades se tornou combustível para muitos questionamentos. Considero que, nesse momento, abriu-se um portal dentro de mim que me preparava para tudo o que estava por vir.
Fotografei um parto humanizado pela primeira vez no mês de Oxum, em dezembro, e foi o que me despertou para a doulagem. Eu me conectei e senti uma energia tão forte se expandindo em meu coração que tive vontade de viver aquilo de peito aberto, com o objetivo de ser uma rede de apoio para as gestantes e contribuir para uma nova forma de parto consciente. É necessário se conectar com o propósito.
Desde o início, manifestava uma doulagem que pudesse contemplar todas as mulheres, de forma acessível e colaborativa. Não basta apenas lutar e se posicionar contra a violência obstétrica, tendo em vista que as mulheres que passam por essa brutalidade são, em sua maioria, negras, periféricas e estão sem acompanhamento de doulas. Além disso, pela situação de muitas gestantes e da falta de estrutura dos hospitais para abraçar o parto normal e humanizado no Brasil, as doulas devem dar enfoque aos grupos de mulheres negras; mulheres de baixa renda; LGBTQIA+ e casais que estejam em algum grupo minoritário.
O primeiro parto que acompanhei como doula foi humanizado e sem intervenções. Recebi uma ligação com gemidos de contração, realizei meu ritual, comi, tomei banho, acendi uma vela e pedi proteção para Oxum. Já no hospital, encaminhei a gestante para o chuveiro em um certo momento, a água alivia e dissipa a dor. Enquanto isso, fazia massagem nas suas costas e cantarolava, bem baixinho, um canto para Oxum em Iorubá “Oro mi maió”, que significa “Deus é maior”. A água que caia se misturava com a água de cachoeira que eu derramava em suas costas. Um tempo depois, quando o bebê estava coroando, peguei um pequeno espelho que também carrego nos partos para que a mulher pudesse ver a sua filha. Nasceu. Espelho-reflexo e água de Oxum.
A conexão com ensinamentos sobre fitoterapia indígena me acompanham durante toda a trajetória. Busco carregar, dentro da minha bolsa de doula, água da cachoeira ou mar, ervas, folhas e óleos que transportam toda a energia da mata para o momento tão aguardado. Sinto o grande poder de cura das matas, da natureza, do sol e da lua. Tudo nasce e prospera através da força dos nossos protetores e guardiões. A natureza é Mãe. O parto é natureza selvagem de uma mulher que se transforma em divindade do sagrado e profano. As mulheres indígenas sempre souberam como parir e se conectar, de forma que a cesárea, apesar de ser um método necessário em situações de risco, é mais uma forma de colonização do homem branco que tentamos, constantemente, decolonizar.
Por fim, enfatizo o protagonismo da mulher durante o parto e a importância de um companheiro ou companheira presente. O corpo de uma mulher tem muita potência, saibamos e sintamos a força do nosso ventre!
Após a leitura desse texto, sugiro que escute a música Oxum, de Serena Assumpção.
A ilustração é do artista Menote Cordeiro.
Ariadne Bedim é jornalista formada na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, doula, fotógrafa documental e afetiva, umbandista, encantada pela antropologia visual e audiovisual.
Galeria: artistas pra seguir na quarentena
Apoie artistas nessa quarentena. Em tempos de cólera, amar é um ato revolucionário.
Clique na imagem para acessar a loja!