“26 de julho é dia de Nanã“, orixá anciã, senhora da vida e da morte, que vibra na lama dos pântanos, dos manguezais e do fundo do mar. Ela é a “Grande Mãe”, o útero de onde viemos e para onde um dia retornaremos. No nosso país, Nanã foi sincretizada com Nossa Senhora de Sant’Ana, mãe de Maria e, portanto, avó de Jesus Cristo. Por isso, “26 de julho é dia de Nanã“, mas é também o “dia dos avós” (uma invenção recente, parece…).
E que figuras adoráveis são os avós, não é mesmo? Sorridentes, amáveis, carinhosos, sempre prontos para fazer mais um mimo, mais um agrado, um afago… Em geral é assim, eu acho. Há uns mais sérios, é verdade, mas acredito que esses sejam exceções. A regra, bastante polêmica, aliás, é: “pai e mãe têm que ensinar; avô e avó têm que estragar”.
A “regra” é, sim, “polêmica”, mas de sua existência ninguém duvida: tem muita gente por aí pensando e agindo assim. Por que será? Tenho uma hipótese e vou compartilhá-la. Antes, porém, tenho que fazer uma ressalva importante: aqui vai a minha, e só minha, opinião. Como não poderia deixar de ser, ela está fortemente ancorada nas minhas experiências de vida e na tremenda sorte que eu tive em relação aos meus avós. Por isso talvez o que eu diga a seguir não faça muito sentido para algumas pessoas que lerão este texto. Lamento muito…
Voltando ao ponto: por que será que tem tanta gente que acredita que “avô e avó têm que estragar os netos” com mimos, agrados, afagos etc, etc??? Pode ser porque as pessoas em geral entendem que o amor dos avós é (em tese) mais livre do peso da responsabilidade com o sustento e a educação da criança. Uma vez liberto, esse amor se expande, toma conta da criatura (o avô/ a avó) e transborda, não se contém. É mesmo como o rompimento de uma represa: na condição de pais, o senso de responsabilidade acaba represando um pouco o tanto de amor que a pessoa, tornada avô/ avó, vai ser incapaz de conter em si mesma. Aí já viu: enxurrada certa.
Acho que esse “amor-de-enxurrada” se manifesta de duas maneiras bastante claras: uma é a generosidade (com suas várias feições possíveis, da permissividade nociva à grandeza austera de saber dizer “não” na hora certa); a outra é a esperança.
Tive a sorte de ter avós generosos. Ouso até dizer que na medida certa, porque permissivo nenhum deles jamais foi. Comemoraram meu nascimento, me fizeram dengos, foram às minhas festas na escola, procuraram saber sobre minhas notas, ouviram quietos as queixas dos meus pais quando fiz bobagens, me deram conselhos… Hoje nenhum deles está mais neste plano, mas Deus me deu a graça de poder acompanhar quase todos eles em seus momentos finais e, não só por isso, mas por isso também, acho que posso dizer que fui um bom neto. Só acho.
Porque certeza mesmo eu tenho é de que nenhum dos meus avós se preocupava com isso. Quero dizer, nenhum dos três (só conheci uma das minhas avós) tinha a mínima dúvida de que eu era um bom neto; isso era ponto pacífico. Mas na cabeça deles o buraco era muito mais embaixo: a esperança deles, firme e inabalável, era a de que eu, de que todos nós, seus netos, nos tornaríamos pessoas boas, homens e mulheres dignos, honestos, corretos. Como eles próprios, meus avós, foram durante toda a vida. Era essa esperança que os alimentava, que justificava seus dias e enchia de brilho seus olhares a cada vitória de um de seus netos, por menor que fosse. Porque, para o avô/ a avó, ninguém é melhor, nem mais bonito, nem mais esperto, nem mais rápido, nem mais qualquer coisa (boa, claro!) que seu netinho/ sua netinha. Porque, para os próprios netos, os avós, em geral, são só generosidade e esperança. De novo: lamento muito por quem não vê/ sente sentido nisso tudo.
Nanã, Nossa Senhora de Sant’Ana… são expoentes desse amor-de-enxurrada das mães de nossas mães, nossas avós… Nelas, em Nanã e em Sant’Ana, a generosidade e a esperança são maiúsculas: são Indulgência e Fé. Indulgência é o amor que a tudo perdoa; Fé, é a esperança que, de tão concreta, virou certeza, realidade, fato consumado. Dia após dia, em cada pântano, em cada manguezal, no fundo de todos os mares do mundo, da lama de Nanã brota a vida, ressurge o alimento que a cópula das marés com a terra esconde das aves para dar aos peixes, depois às aves de novo, e aos peixes outra vez… Dia após dia, a cada “Ave Maria”, cristãos de muitas filiações louvam a mãe de Jesus e assim, quase sempre sem perceber, adoçam a boca de Sant’Ana, mãe de Nossa Senhora, e ela do céu sorri para o devoto de sua filha, para o irmão de seu neto, logo, neto dela também.
“26 de julho é dia de Nanã“, é dia de louvarmos e agradecermos à Grande Mãe, aquela que nos deu a vida e, porque nos ama, sempre nos perdoa; aquela que, por confiar em nós, mesmo sabendo o quanto ainda somos pequenos e inacabados, o quanto ainda estamos presos ao lodo de uma existência escorregadia e cheia de armadilhas, ainda assim ela nos apoia, sorri para nós, nos estende os braços e, no momento final, nos acolhe.
“26 de julho é dia de Nanã“. É dia de, com toda Fé, tirarmos os dois pés do chão, voltarmos a ser crianças, e nos abandonarmos de novo no uterino colo amoroso de nossa vovó.
Luciano Nascimento é mangueirense, filho, marido, pai, professor, flamenguista, psicopedagogo… mais ou menos nessa ordem. É, também, idealizador do projeto Dê Efiência (www.deeficiencia.com.br)
Luciano Nascimento é mangueirense, filho, marido, pai, professor, flamenguista, psicopedagogo… mais ou menos nessa ordem. É, também, idealizador do projeto Dê Efiência (www.deeficiencia.com.br)
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