[Arredores] Memórias afetivas, com Igor Silveira

No processo de todo artista, a memória está lá, presente. É impossível eliminá-la. Alguns até fazem a sua arte sobre o ato de se lembrar. E com a quarentena já chegando ao seu sexto mês de duração, um artista dos nossos arredores questiona: “Lembra como é bom andar na rua?”.

Muita gente, acho, ainda se lembra, e sente saudades. Bom, o Igor também.

Natural de Santos Dumont, Igor Silveira é músico faz uma pá de tempo, com um EP e dois singles no currículo, além de uma independência musical invejável. Carinhoso de suas memórias, ele relembra não só “como é bom andar na rua” em seu novo single, mas também sua trajetória na música, experiências importantes para sua construção como músico e referências atuais que o inspiram.

Rola pra baixo para ler!

O músico Igor Silveira em seu estúdio.

Trama: Como você começou sua carreira na música? E quanto tempo levou para que você passasse a considerar a música como uma possibilidade real de carreira?

Igor: A minha primeira experiência mais profissional dentro da música foi aos 16 anos, quando fui convidado para entrar na banda Jane, aqui em Santos Dumont, cidade onde nasci. Na banda, eu tocava teclado, guitarra, cantava… e o período de 5 anos em que lá estive foram preciosos para me formar, tanto musicalmente quanto no sentido de entender outras dimensões que permeiam o mundo da carreira musical. Foi nesse intervalo de tempo que tive meu primeiros contatos com o processo de produção musical: escrevi muita música, estudei piano na Bituca, Universidade de Música Popular (lá em Barbacena), e foi também quando fiz minhas primeiras apresentações sozinho com meu violão na noite sandumonense. Apesar de tantas experiências, foi em 2017 que de fato decidi me aventurar em um show solo com músicas minhas, a convite de uma amiga. O show aconteceu no IAD (Instituto de Artes e Design) da UFJF em um início de tarde, bem na hora do almoço, quando me deparei com um público interessadíssimo em ouvir o que eu tinha pra tocar. Ali, eu me senti capaz e fiquei mega motivado a continuar fazendo aquilo de tocar música pras pessoas e desde então não parei mais.

T: Por que a opção por fazer tudo ‘sozin’? Se você pudesse, contaria com um aparato de gravadora para o seu trabalho?

I: A opção é quase que, na verdade, um processo involuntário de aceitação de ou fazer sozinho, ou não fazer. No âmbito da performance, acho que o “sozin” basicamente se deu por não encontrar outras pessoas no momento que compartilhassem os mesmos interesses e vontades musicais que eu, o que significa que achar uma banda que quisesse tocar minhas músicas seria algo muito difícil. Então optei por começar a me apresentar com um pedal de loop, inspirado no Ed Sheeran, artista que conheci em 2017, mesmo ano em que comecei meus shows. Eu sempre tive uma vontade imensurável de gravar as músicas que compunha e lançá-las, mas não encontrei o espaço para tal, por exemplo, quando estava na Jane. Não mais na banda, eu sabia que não conseguiria bancar financeiramente um estúdio de gravação, por conta disso o “sozin” no âmbito da produção se deu aí, quando decidi iria gravar eu mesmo minhas músicas. Os anos de 2017 e 2018, eu passei tocando em Santos Dumont e Juiz de Fora, principalmente na noite, em bares e restaurantes. Juntei toda essa grana, comprei um material de gravação muito simples e coloquei no meu quarto. Ali, eu passava as madrugadas gravando e regravando instrumentos e vozes. Fuçando e assistindo muito tutorial de YouTube, eu fui aprendendo aos poucos como funcionava esse universo e consegui lançar, em janeiro de 2019, meu primeiro trabalho autoral, o EP Sozin, cujo nome é bem sugestivo (risos).

Faço minhas músicas assim até hoje e, apesar dos muitos pontos positivos de se produzir sozinho, acho que qualquer artista na possibilidade de contar com os confortos de uma gravadora toparia a parceria, pois isso acaba gerando uma facilitação de todo o processo. Eu me incluo aqui, mas claramente apenas num cenário em que esta gravadora não tomasse as rédeas do processo artístico, coisa que rola muito, e a mim fosse dada a liberdade de produzir a arte que quisesse.

T: Além de ser músico, você também cursa Letras. Como essas duas vivências profissionais se complementam para você?

I: A escolha de cursar Letras veio muito a partir de algumas convergências de interesses. Por exemplo, desde os 17 anos, eu trabalho como professor de Inglês. Sempre me considerei (e ainda hoje me considero) um péssimo leitor, mas, nessa altura, eu já adorava escrever, e achei que Letras poderia ser útil de alguma forma na soma dos conhecimentos e habilidades que eu buscava para me tornar o artista que queria ser. Eu creio que não estava errado, pois, no curso, eu tive contato com autores incríveis e muito inspiradores, além de conhecer, dentro dos estudos de literatura, a profunda conexão que existe entre poesia e música. Fiquei fascinado, por exemplo, pela literatura grega antiga, cuja poesia era, na sua maioria feita, a partir do canto e do acompanhamento de instrumentos. Nela, eu encontrei identificação comigo e desde então acho incrível, sério!

T: Após ter gravado um EP e dois singles, você já tem uma experiência com mixagem e produção, certo? Você cogitaria fazer isso para outros artistas?

I: Após o lançamento de “Lembra Como é Bom”, chegaram propostas de algumas pessoas para (eu) trabalhar como produtor, e isso é definitivamente algo no meu horizonte. A grande questão é ter a organização e achar o tempo e jeito certo de se fazer isso, pois produção musical como um todo – incluído arranjo, gravação, mixagem – é um processo muito trabalhoso. Assim, penso muito em encontrar um jeito de incluir isso em meu cronograma sem interferir, no entanto, nos processos de produção da minha carreira, que é meu projeto principal.

T: Recentemente, você gravou o single ‘Pisa na Terra‘, em parceria com o Arcanjos Duo. Como foi a experiência de dividir o espaço de gravação pela primeira vez? Você tem outras parcerias em mente que gostaria de fazer com outros artistas de JF e região?

I: Conheço o Gabriel e a Amanda desde adolescente, pois somos todos de Santos Dumont. Quando eles se lançaram como duo, eu fiquei muito animado, pois percebi na proposta deles algo de similar com a minha e de certa forma, me fez sentir menos “sozin” no que estava fazendo; me senti pertencido a um movimento de criação que estava rolando por aí. Nós produzimos um show em Santos Dumont em maio de 2019 e dividimos o palco numa noite de dobradinha, até que, no fim de tudo, comentei com eles que tinha feito essa música, “Pisa na Terra”, muito pensando nos dois. Eles se animaram bastante e toparam na hora o meu convite pra gravarmos juntos. Com isso, eles vieram de São João Del Rey passar comigo um domingo na Ponte Preta (área da zona rural de Santos Dumont), onde gravamos suas vozes em cima do instrumental que eu tinha construído. Ali, de alguma maneira, caiu a ficha pra mim que eu estava na posição de produtor musical daquela faixa. Era isso realmente o que eu estava fazendo, e essa autodescoberta foi massa. Pra além disso, o mais legal de tudo foi desfrutar a companhia musical deles e poder passar um tempo juntos conversando.  

Tenho buscado, desde o início de 2020, me aventurar em parcerias. Estou buscando escrever com outros amigos compositores e compositoras, e faço isso como um exercício criativo desse ofício de fazer música. Essa experiência tá sendo muito enriquecedora e, inclusive, com o Gabriel, já andei escrevendo algumas coisinhas à distância, mandando coisas um pro outro pelo WhatsApp ou fazendo chamada de vídeo.

T: “Lembra Como é Bom” é o seu trabalho mais recente, também totalmente produzido por você, e que tematiza toda essa vivência de quarentena. Você sempre fez todo o seu trabalho sozinho; mas foi diferente com a situação de quarentena? Diferente como?

I: A diferença de produzir “Lembra Como é bom”, em relação às outras coisas que já havia feito, está muito na rapidez em como tudo aconteceu. A música surgiu logo no primeiro mês de quarentena, em uma noite, e quando foi fim de abril, a faixa já estava pronta para ser lançada. Acredito que isso se deu muito pela forma como sentimentos contidos precisavam urgentemente achar um caminho para se expressar sobre essa necessidade repentina de não poder sair na rua, encontrar pessoas, viver o mundo com família, amigos, amores… Outra coisa que se destacou nesse lançamento foi o clipe colaborativo, que foi produzido a partir de vídeos enviados por pessoas queridas de vários lugares. Nele, está representada uma memória afetiva de situações muito particulares de cada pessoa que enviou um vídeo, ao mesmo tempo que ele ecoa uma energia muito coletiva, uma nostalgia, que faz a gente se sentir parte daquilo ali.

T: Você tem outras composições já escritas, ou em fase de produção? O que vem de novidade por aí?

I: Desde que comecei a escrever minhas músicas, nunca mais parei; então sempre tenho algo que estou criando, apesar de que muitas destas músicas nem sempre chegam a ser gravadas. Logo depois de lançar o Sozin, já iniciei o processo de produção de músicas novas que vem desde então passando pelo processo de feitio. Uma delas, uma música que escrevi com 17 anos, será o meu próximo single, com lançamento que está programado pra acontecer agora no mês de setembro.

T: Nesse momento, quem são as suas principais referências no cenário musical local?

I: Além do duo Arcanjos, um outro conterrâneo e amigo meu que sempre me influenciou é o Siloé Claus, um dos maiores cantores e compositores que conheço. Da galera de Juiz de Fora, eu curto muito o trabalho do Guido Del’ Duca, o da Tatá Chama e as Inflamáveis, e o da Cravo. Tem também o disco novo do Nathan Itaborahy que tá sensacional, tava ouvindo há pouco e achei uma obra de arte. Mas acho que talvez a coisa mais importante e poética que tá rolando hoje por aqui é a Laura Conceição. Conheci ela esse ano, e ela é uma mina mega simpática que faz uma arte cheia de paixão. Ver ela ao vivo é catártico!

T: O que você gostaria que eu tivesse perguntado que eu não perguntei? E qual a resposta a essa pergunta que eu não fiz?

I: Talvez uma boa pergunta aqui fosse “o que é a vida?” (risos); coisa que eu não sei se saberia responder. Eu estava brincando outro dia com uma amiga justamente que se fosse responder a essa pergunta, diria “a vida é aquela coceirinha no fundo da garganta. Vem sem avisar e vai embora quando quer, não importa o quanto você arranhe”. Mas isso é meio pessimista né? Então, sei lá. Uma versão otimista dessa pode ser: a vida é aquele barulhinho de chuva na hora de dormir.

Assista ao clipe colaborativo de “Lembra como é bom”:


Sobre a Entrevistadora

Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atua como Social Media na Peregrina Digital, assistente de edição na Trama e escritora nas horas vagas.



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