“Um prisma é aquela forma que faz arco-íris”, já disse, umas vezes, a nossa entrevistada de hoje na Arredores. Refrata a luz, decompondo-a em faixas coloridas de um espectro – o que, em linguagem poética, pode significar muita coisa.
Na cena cultural de Juiz de Fora, um Prisma é aquela forma que também faz teatro; e, no presente contexto, um raio do espectro do Prisma é o projeto Refração, que reúne 15 artistas do teatro em torno de uma proposta para uma nova linguagem – ainda batizada pelo falho nome de “teatro online”.
Para entender melhor a proposta do projeto e discutir sobre as questões ligadas à arte virtual, a Trama conversou com a Gabi Guarabyra – atriz, dramaturga e uma das idealizadoras do Núcleo Prisma de Teatro.
Rola pra baixo para ler!
Trama: O teatro em geral – em especial o do Prisma – possui um caráter criativo que lida muito com a presença e a interação física. Como tem sido criar em um momento que essas interações estão limitadas?
Gabi: Nós acreditamos muito no teatro enquanto arte da presença e do contato. Tem sido bastante complicado estabelecer propostas de criação sem o contato entre nós e com o público. Tem sido um momento de muita estruturação e planejamento, muita escrita, dramaturgias novas, planos, enfim… A criatividade em tempos de pandemia é um tanto imprevisível, estamos tentando manter a consistência da companhia e entender nossos limites, mas nem sempre é fácil chegar em um lugar que realmente reflete nossas propostas.
T: Vocês disponibilizaram a cena Band-Aid em versão online. Como foi a recepção do material nesse novo formato? Existe algum plano de estruturar alguma das outras cenas curtas da companhia ou até Algodão online?
G: A recepção foi ótima! Foi bem no início do período de isolamento, estávamos com muita vontade de colocar um pouco da gente no mundo. Band-Aid é uma cena que temos muito carinho e muito orgulho, foi uma delícia assistir a forma que as pessoas se engajaram com ela, mesmo sendo uma cena de caráter super intimista o Pablo fez um trabalho de aproximação muito bonito através das lentes que funcionou bem demais. Não temos nenhum plano pra outras cenas prontas ou pro Algodão, é mais possível que a gente crie um material inédito do que voltar pra adaptar algum pronto (sem promessas, mas temos planos por aí!)
T: Quando a gente pensa na tríade essencial do teatro (ator-texto-público), muitas pessoas compreendem que o que as companhias vêm fazendo, de trazer o teatro para o virtual, não poderia se configurar enquanto teatro, pois não há a interação presencial ator-público. Como o núcleo de vocês percebe o “teatro online”? Ele é teatro?
G: Entendemos que esse momento online é super importante para a continuidade do nosso trabalho, e também entendemos que, como artistas, precisamos dar continuidade com o nosso ofício apesar das adversidades. É bastante difícil categorizar o que estamos vivendo como “teatro online”; é alguma outra coisa, uma linguagem que ainda não descobrimos completamente como funciona, mas estamos chegando lá. Não dá pra substituir a presença dentro do teatro, é um elemento super essencial. Esse formato chegou pra agregar experiências, mas ainda estamos descobrindo os caminhos.
T: Vocês acham que esse “teatro online” vai persistir como um novo formato após a reabertura dos espaços teatrais? Se sim, como vocês pensam que a arte do teatro se adaptaria para atender aos dois âmbitos sem desvalorizar (financeiramente) o presencial?
G: Talvez sim, mas não com a urgência que está acontecendo agora. Nós artistas estamos em um momento em que sentimos necessidade de produzir, tanto por questões de mercado quanto pra suprir essa falta que o teatro faz, então é um momento um tanto frenético de novas propostas e formatos. Acho que quando a vida voltar a se estabilizar é possível que a gente encontre um modelo bem híbrido, mas talvez peças ao vivo ao mesmo tempo contando com transmissão online, não sei.
A desvalorização financeira é um ponto complexo. Se uma peça que está acontecendo ao vivo é transmita simultaneamente online, é preciso pensar mecanismos de monetização pra essa transmissão. Sabe quando um jogo de futebol não é transmitido na TV local quando o estádio fica naquela cidade? É uma lógica parecida. Antes de começar a preocupação sobre a desvalorização financeira, talvez seja hora de um passo pra trás pra valorizar o que tínhamos, um caminho inverso. Sabemos que já existia uma desvalorização grande do cenário teatral em muitos lugares, então vai ser só mais um capítulo de como engajar o público nesse modelo híbrido.
T: Como surgiu a ideia do Refração? Quem foram as inspirações que mostraram que um projeto como esse seria possível?
G: A ideia do Refração surgiu de duas vontades: a primeira era a de lançar um projeto pelo Prisma, coisa que até então não tínhamos feito; a segunda era a de conectar pessoas. Como quase todas as ideias que temos, como um grupo que tem como base a colaboração, é sempre difícil traçar qual foi a semente da ideia. E estrutura veio surgindo de muitas conversas e ideias que foram se acumulando. Eu, Gabriel e Pablo formulamos uma “trilogia Prisma”, que acabou sendo o prólogo do Refração, e ela foi toda baseada em trocas entre nós três, então expandir essa ideia fez sentido pra gente. O que fez a gente acreditar que o projeto seria possível foi a vontade de fazer dar certo mesmo, quando a gente tá empenhado em um projeto é bem difícil tirar da nossa cabeça, coletivamente falando.
T: Qual é a principal proposta do Refração, enquanto ferramenta de teatro online?
G: A principal proposta é criar laços. No final do dia, estamos todos isolados fisicamente, mas não socialmente. Convidar esses artistas de outras regiões, proporcionar trocas, visibilidade, esse é o maior trunfo da internet. O presencial é efêmero e centralizado em um lugar específico, nem todo mundo pode viajar por aí pra conhecer o trabalho de artistas diferentes ou culturas diferentes. Claro, ainda não é teatro, ainda não é a mesma experiência de uma troca presencial, mas existe uma essência bem bonita que transborda na necessidade de se conectar.
T: Os artistas e obras que vêm compondo o Refração, como eles foram selecionados? Existe uma proposta de unidade entre as obras apresentadas?
G: Tivemos um trabalho de busca por artistas que achamos que poderiam dialogar com a nossa linguagem e ao mesmo tempo trazer uma individualidade. Quando a ideia do projeto surgiu nos deparamos com a realidade que quase todos os artistas que conhecemos e seguimos são da nossa região, do sudeste. Por que? Esse questionamento interno levou a gente a conhecer muita gente e fazer laços que a gente nem imaginou. A única unidade é que todos os artistas receberam a mesma provocação, mas cada um direcionou a partir das suas vivências, experiências e da própria região. A essência talvez tenha algum tipo de unidade subjetiva, mas a proposta é que seja bem plural mesmo, então não nos preocupamos muito com isso.
T: Como vocês entendem a importância de projetos como o Refração em uma situação tanto de pandemia, quanto em um contexto de uma desvalorização das artes (especialmente do teatro) cada vez maior?
G: Entendemos a importância do Refração como um posicionamento, um chamado de “ei, estamos aqui, continuamos aqui”. O Brasil é cheio de artistas, e não só no teatro, e cada um de nós está ansioso pra poder voltar com as atividades presenciais – e essa constante reinvenção online é a prova de que resistimos e de que a nossa arte está acima de qualquer fator externo que o mundo possa colocar sobre nós.
T: Existe a possibilidade de uma segunda temporada do Refração, com mais quinze artistas das cinco regiões?
G: Por enquanto, não. Vamos finalizar o projeto em meados de outubro e pretendemos focar em outras coisas para o Prisma. Ainda estamos estudando os próximos passos, mas o refração é uma jornada única.
Assista ao primeiro episódio do projeto “Refração”, realizado pelo Núcleo Prisma:
Sobre a Entrevistadora
Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atua como Social Media na Peregrina Digital, assistente de edição na Trama e escritora nas horas vagas.
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