Mapa

De acordo com nossos mapas, estamos quase na metade do caminho.

Talvez esse mapa precise de algumas atualizações e novos atalhos, ainda não tenho certeza. Uma vez, eu li em algum lugar que nem todas as cidades estão presentes nos mapas. Alguma coisa a ver com o tamanho ou o número de habitantes, não sei bem.

Reconheço que “uma vez li em algum lugar” talvez não seja uma das fontes mais confiáveis que eu poderia citar, mas sinto que não posso fazer melhor do que isso agora.

Aprendi a ler mapas aos 9 anos. Meu avô sempre foi fascinado por cartografia e pensou que eu também acharia divertido. Na época eu não achei, mas aprendi mesmo assim. Crianças solitárias como eu não estão habituadas a recusar companhias, mesmo que nem sempre sejam as mais divertidas. Não quero entrar no clichê de neta ingrata e impaciente; só não via a extrema necessidade de entender mapas se sabia que um celular resolveria prontamente o meu problema.

Algumas coisas se desenvolvem por hábito. Quando viajávamos, minha família toda desligava o waze e seguíamos as finas linhas vermelhas impressas sobre o verde desbotado.

Alguns anos mais tarde, aqui estou eu, argumentando em um carro alugado com meus três melhores amigos sobre o melhor jeito de chegar em Ibitipoca. Estamos quase na metade do caminho. É verdade que minhas leituras de 20 minutos atrás também apontavam “quase a metade do caminho”. Os telefones estavam todos em uma caixinha guardada na minha velha mochila azul listrada, como uma fiscal. A música saía de um CD que tocava a partir de um tocador anexo que comprei no dia anterior, sabendo que alguém usaria o Spotify como argumento para permitir celulares.

Eu costumava ser muito boa em fingir que sabia o que estava fazendo e seguir em frente, mas em algum lugar na última rotatória essa habilidade se perdeu e estava claro que eu estava, enfim, perdida. Meus amigos me olham um pouco impacientes, mas também curiosos pra saber como eu pretendia sair dessa encruzilhada.

Eles sabem que eles também só vão chegar até a cachoeira se eu descobrir o caminho. Parece uma metáfora de livro de romance, “Ninguém chega a lugar nenhum sozinho”. Todo clichê se torna clichê por um motivo. Paramos o carro no acostamento e desligamos a música por um momento.

Enquanto eu ainda me esforçava para decifrar as rotas por entre as montanhas e pedras, sinto o mapa sendo gentilmente puxado da minha mão – e lá estavam os três resolvendo a complicada matemática dos caminhos de Minas Gerais. O que eu não sabia era que os três tinham passado a última semana estudando esse trajeto também. Não por falta de confiança, mas para não me deixar sozinha.

Era simples. Meu erro fora 15 km antes, em uma bifurcação. O próximo retorno estava à esquerda, 500 metros adiante. Quanto mais imersos estamos em algumas coisas, mais difícil fica enxergar alguns detalhes. Não faz mal alguns pares extras de olhos. É verdade que ninguém chega a lugar nenhum sozinho, mesmo estudando todos os mapas e atlas do mundo.


Gabi Guarabyra é atriz, diretora, dramaturga e professora. É pós-graduanda em Gênero e Sexualidade pela FACED-UFJF e compartilha frentes de trabalho teatral no Coletivo Feminino e no Núcleo Prisma.



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