As pessoas não olham umas pras outras E nem pro céu, e nem pra si Limitadas, coitadas Cada uma com seu jeito, Com seu medo de sentir. No meu quarto Não estou nem um terço presente. A sala é uma cela, Não chego nem na janela E você me cancela Presa e doente. Fecho as cortinas Do meu quarto ato. Ensaio as rimas Faço, no espelho, teatro. Atuo pra ninguém ver, Minha arte é pra ler. Tudo dá um belo quadro: Quieto, quadrado. Cheguei num ponto Quem nem afronto: Nem mordo e nem ladro. Não faço, não aconteço. Sozinha aqui eu pereço. Nem comigo eu pareço, A solidão tem um preço E é caro pagar. Tô na sétima prestação, Dividi no cartão Que já vai estourar. Voltando às pessoas Que não voltam a si: Se são más ou boas Só se importam se eu tossi. Uma máscara Em cima da outra: Uma pro nariz e a boca, Outra pro seu caráter. Faz parecer-se um mártir, Que se puder mata. Se não puder, bate. Acordei com vontade De gritar o que sinto. Mas se eu falar a verdade, Não vou ter paciência Pra rebater com fato e ciência O tanto de achismo. Violência gera violência. Gentileza gera gentileza. Quem tem a mínima decência, Não vai se sentar à mesa De um bar à beira mar, Enquanto há no quarto, presa Uma pessoa doente, Do corpo ou da mente Sem poder respirar. Há quem se ache imortal, Quem já tem sua sina. Sai e faz carnaval, “Já saiu a vacina?” Eu saio, Tenho coisas a fazer. Muito trabalho E um pouco de lazer. Se tenho tempo pra amar, Meu amor eu vou lá ver. Não tô certa e nem digo isso. Seguir um conselho Não é compromisso. O sangue é vermelho, Dizem: a bandeira não vai ser, Mas essa mancha na história, Não é a cor da glória, É a do padecer. O verde se queima, O amarelo se apaga. Uma nota alta não salva Quem não tem pele alva. Mas o mito teima, Pela boca, caga.
Geara Franco é jornalista, macramística e poetisa nas horas vagas.
Galeria: artistas pra seguir na quarentena
Apoie pautas identitárias. Em tempos de cólera, amar é um ato revolucionário.