Já pensou quanta coisa poderia ser diferente se Laio não tivesse mandado matar Édipo?
É… É por aí que a história começa: Laio não aceitou as predições do destino e, por isso, mandou assassinar o próprio filho. Ao que se sabe, o então soberano de Tebas não “deu tempo ao tempo”, não conversou com sua esposa, Jocasta, a rainha-mãe… muito menos esperou que o filho deles crescesse para que eles pudessem se conhecer, se amar e se entender. Não: Laio apenas chamou um servo de confiança e determinou a execução preventiva de Édipo. A morte do rei, prevista pelo oráculo, podia ser só um enigma, uma metáfora, uma força de expressão; a ordem do tirano a seus servos não: era o comando de um assassinato literal.
Já pensou quanta coisa poderia ser diferente se mais pais (os homens, bem especificamente) aceitássemos, de verdade, que é parte do nosso papel sermos superados por nossos filhos? Sim, simples assim: nascemos antes deles, aprendemos a nos cuidar e a sobreviver antes deles… tudo isso para cuidar mais e melhor deles que, se tudo der certo, vão ser melhores (num sentido muito limitado de “melhores”, é claro) que nós, vão nos superar. E essa superação não é a morte do pai, pelo contrário! É a sua vida, sua continuidade, sua permanência, sua herança, sua (quase) eternidade genética, histórica e mítica.
A vida de muitos pais e muitos filhos poderia ser outra se tantos de nós não vivêssemos imersos numa dinâmica cultural que sobrevaloriza a subserviência filial e subestima o valor do respeito mútuo entre pais e filhos. Não é raro esbarrarmos por aí com pais que também sentem a “desobediência” (às vezes, só a discordância) do filho como tentativa de assassinato – simbólico, evidentemente. Muitos de nós, homens, pais, fomos criados sob o jugo de diferentes tiranias, alimentando o desejo inconsciente pelo momento em que, enfim, também nós poderíamos exercê-las – em geral, tendo esposa e filhos como primeiras vítimas. É triste, mas acontece. Por isso, não estranha que quem passou por esse tipo de experiência não se conforme facilmente à frustração da desobediência daquele de que se esperava submissão total; não estranha, mas também não justifica – ou seja, não confere justiça a essa frustração paterna. Repito: é compreensível, mas não é justo!
Na Literatura, na Mitologia, a morte de Laio pelas mãos de Édipo acabou sendo literal. No dia a dia de nosso mundo cada vez mais louco, interconectado e solitário, é preciso cuidado e sorte para que Laio e Édipo não se matem simbolicamente ainda em vida.
Mas, se o momento agonístico vier, cabe a nós, os pais, pelo menos aprendermos mais com Édipo e menos com Laio. Precisamos saber reconhecer nossa própria cegueira e deixar que nossos filhos nos guiem na velhice.
Luciano Nascimento é mangueirense, filho, marido, pai, professor, flamenguista, psicopedagogo… mais ou menos nessa ordem. É, também, idealizador do projeto Dê Efiência.(www.deeficiencia.com.br) E-mail: prof.lcnascimento@gmail.com
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