À pequena Karina

O que você diria para a criança que você era, se você a encontrasse hoje? Me surgiu esta dúvida agora, enquanto fumo o cigarro alheio e choro as minhas mágoas da vida. Influenciada pela proximidade do dia das crianças e após uma semana preparando ações para este dia comercial, lembrei-me da pequena Karina, aquela com seus dez anos de idade, que fugia do beijo do primeiro namorado e ganhava serenata de amor na Páscoa.

Pensei como seria caso nos encontrássemos cara a cara hoje. Nossa! Que vergonha! Como eu poderia dizer aquela bela menina que a vida não está nem perto de como ela imagina que estará aos 30…? Como poderia dizer-lhe que não temos filhos, nem uma casa, que não somos uma ortopedista bem sucedida (naquela época, jornalismo ainda não era uma opção!) e que sequer temos previsão de uma estabilidade financeira?

Como poderia explicar-lhe o tanto que ainda irá chorar nos próximos vinte anos, e todas as decepções pelas quais ainda passará? Como falar sobre todas as perdas que lhe acontecerão? Sobre todas as pessoas das quais precisará se despedir? Como lhe falar para aproveitar mais o tempo com alguns e deixar logo outros de lado? Como fazer para não atropelar as palavras em nossa conversa?

Gostaria de sentar-me ao seu lado e dizer: “Oi Karina, tudo bem? Sabe este seu namorado? Em 20 anos, vocês sequer terão contato! Sabe o próximo? Não chore tanto por ele, não vale a pena! Não passe tanto tempo para esquecê-lo. A vida seguirá seu rumo, e vocês seguirão caminhos completamente diferentes. Mais tarde, você vai conhecer alguém, vai pensar que é pra sempre e vai apostar todas as suas fichas. Não faça isso! Também não irá valer a pena; por isso, não vincule a sua profissão à sua decepção.

Se quiser investir, invista! Corra atrás do que você quer e vá! Não deixa as suas lágrimas segarem o seu caminho. Só vá, meu bem! Você pode ir longe! E quando as oportunidades chegarem, agarre-as! Não deixe os ‘e se’ te impedirem de voar! Você possui asas enormes, mas não consegue vê-las porque está sempre olhando para baixo. Pare com isso e olhe para cima! Lá é a sua casa! É pra lá que você vai! Tente nunca esquecer disso!

Deixe o orgulho de lado, e não deixe as pessoas interferirem nos seus relacionamentos com aqueles que você ama. Isso poderá te custar onze anos da sua vida. Onze anos que você jamais poderá recuperar. Serão onze Natais perdidos, onze anos de abraços perdidos, onze anos sem lembranças… Anos pelos quais você lamentará o resto de sua vida! Tudo por orgulho! Não apenas seu, é verdade! Mas você pode fazer algo a respeito, então faça!

Ah! Aprenda a controlar a sua voz! No futuro, isso trará sérios problemas para você. O mundo não quer saber das suas desculpas e não se importa se você está ou não chateada – o importante é aquilo que parece e pronto! Se prepare, o mercado de trabalho é um mundo cão, meu bem! Você vai odiar tudo isso, mas é preciso se acostumar e tentar se adaptar, ou jamais conseguiremos renda suficiente para adotar a nossa Maria Luiza.

Uma coisa nunca vai mudar: você vai continuar com esse coração enorme! Tanto que, hoje, temos muitos sobrinhos e adotamos os filhos de todas as amigas – inclusive, hoje nasceu mais um, o Frederico. Amamos crianças e elas nos amam, mas, geralmente só quando são muito pequenas. Por algum motivo, quando elas tomam consciência, começam a não gostar tanto de nós. Sinto muito por isso! Talvez o problema seja eu!

Karina, como costumo dizer, talvez a vida não tenha saído, exatamente como você planeja, mas fica tranquila! Você tem os melhores pais dos mundo! Não esqueça disso! Os amigos que você irá fazer no ensino médio, você levará para a vida toda, acredite (nos encontramos até hoje, e uma delas, você conhecerá em dois anos). Você escolherá uma profissão que jamais irá exercer da forma correta, mas pela qual nunca deixará de ter um certa paixão no coração.

Os próximos anos não serão fáceis. Mas você conseguirá superar cada um deles e aprenderá algo novo em cada um. Se posso te dar umas dicas importantes são: não misture bebidas (a ressaca é terrível); diga ao William que você o ama (mesmo sabendo que vai embora – acredite, ele foi o seu amor mais bonito!); faça outra faculdade antes dos 30 (exceto moda, por favor! Este não é o seu mundo!); não peça demissão do seu emprego (aquele primeiro! Você vai se arrepender!).

E por fim, meu bem, tente sorrir mais. Você tem um sorriso lindo, mas só o começa a usá-lo após alguns anos. E antes que eu me esqueça… O seu cabelo é lindo, viu? Não leve a sério os comentários do Davi, ele não sabe o que está falando e nem vai lembrar disso em alguns anos.”


Karina Mendonça é jornalista e escreve desde os 17 anos, pois acredita que as palavras podem fazer coisas maravilhosas, desde mudar o mundo, até fazer alguém sorrir. Ou chorar.



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