O Rap é um estilo musical conhecido pelas batidas marcadas e pelas temáticas políticas, mas também pelos love songs e pela cultura das marcas – aspecto pelo qual muitas vezes é um estilo deixado de lado. Mas você já parou pra pensar o que existe por trás de uma letra que menciona Louis Vuitton, Yves Saint-Laurent e Balenciaga?
Na última semana, o rapper juiz-forano Jovem Saga, lançou o terceiro e último EP do projeto batizado de ‘FashionBoy’ – no qual explora, em seus versos, a vivência das marcas, da opulência, do amor, e da própria identidade.
Essa semana, a Trama conversou com o Jovem Saga sobre o seu mais novo EP – Bounce (Balance-Yago) -, a cultura do luxo e a política no Rap. Rola pra baixo pra conferir a entrevista!
Trama: Me conta um pouco da sua história, Saga. De onde você vem? E como você começou no Rap?
Jovem Saga: Bom, sou daqui mesmo de Juiz de Fora. Nascido e criado na Zona Leste, Nossa Senhora Aparecida.
Já tinha contato com rap desde muito novo, já gostava, já consumia muito por conta daqueles dvds que todo moleque que faz parte de algum elemento do hip-hop já teve, aqueles que tinham 100 Clipes de rap (risos). Daí, comecei a “dublar” essas músicas dos dvds e tudo mais, mas o que me despertou mesmo pro rap, foi um contato na biblioteca da escola no ensino fundamental, um material sobre o Emicida. Isso foi em 2009/10 mais ou menos, foi quando comecei a esboçar as primeiras letras… nessa época, não tinha nenhum rolê de Rap aqui na cidade.
Em 2012, comecei a dançar break e conhecer uma cena do hip-hop na cidade; daí, conheci o Encontro de Mc’s no meio de 2013 e comecei nas batalhas de Mcs no meio pro final de 2013 e tamo até hoje nessa.
T: Você comentou que começou a compor lá em 2010. Mas nas plataformas, estão disponíveis apenas os EPs do seu projeto de 2020, ‘FashionBoy’, e algumas parcerias desse ano. As músicas que você lançou esse ano são as primeiras que você gravou?
JS: Na verdade, eu lancei a minha primeira musica em 2014, com meu primeiro grupo de Rap, Very Flow – que saiu do Educarte (um projeto de HipHop nas escolas que eu fiz parte como aluno/espectador e, depois, como parte da organização). Depois, fiz parte da Banda Seu Jeffrey em 2017, e fiz um trabalho por lá também, com clipe e tudo mais; mas criei coragem de fazer o meu trabalho solo depois de 7 anos envolvido com o Rap.
T: E a vontade e a coragem de fazer solo, nasceu de onde?
JS: Com toda certeza do mundo, dos meus amigos. E do nascimento da minha irmãzinha, em 2015.Mas ver meus amigos trabalhando muito, durante muito tempo, sem recurso nenhum, e entregando coisas muito boas, me fez dar o passo pra “iniciar” outra vez minha carreira.
Brackes e Slim (os dois que trabalham comigo hoje ) foram duas das principais peças pra me fazer funcionar. Os cara acreditaram mais em mim do que eu mesmo (risos). Brackes me levou pra trabalhar com ele como dupla de palco e dj e slim sempre me chamava pra gravar algo.
T: As suas letras – e o projeto FashionBoy como um todo – trabalham com imagens de luxo, de ter e gastar grana, usar roupas de marca; e sempre misturando isso a temáticas de relações amorosas bastante intensas e complexas. Você identifica essas temáticas como traço do Rap enquanto estilo, herdadas das origens americanas, ou percebe alguma outra razão de ser?
JS: Rap e estilo andam juntos desde sempre. E na hora de criar o projeto, pensei muito nisso. Mas existem outras razões de trazer todo o trabalho dessa forma.
Por consumir muito funk, sempre vi e sonhei com todas essas marcas de luxo. Acho que pra quem vem de onde eu vim, das comunidades, dos bairros “perigosos”, você ter um tênis foda, uma roupa foda, um cordão daora, isso não tem a ver com ostentar, tem a ver com conquista – e eu quis passar isso nos trabalhos.
Fazer chegar nos bairros também, nos moleque que normalmente não tem contato com uma ideia de amor e relacionamentos, que são moldados pra viver essa liquidez das relações de hoje em dia, e pras mina que consomem meu trampo também, se sentirem importantes e enfatizarem essa importância dentro de um relacionamento.
T: E pensando nessa sua resposta: muita gente separa o rap ‘político’, que fala diretamente sobre questões sociais, do rap ‘ostentação’ – que você acabou de dizer que não é sobre isso, mas que aborda mais essas temáticas de estilo de vida e luxo. Porém, algumas pessoas argumentam contra essa separação. Como você percebe essa questão?
JS: Bom, a gente sempre quer passar algo pra quem escuta nossos trabalhos. Eu penso que seja importante existir todas essas variedades dentro do rap; num é só de revolta que a gente vive. A música tem muito esse poder de fazer a gente sentir, enxergar outro ponto de vista, entender sobre questões sociais.
O rap é muito versátil. Te faz dançar, te faz pensar, te faz sentir… Então acredito que tá tudo no mesmo barco. Num tem porquê separar, são só estilos diferentes dentro do rap.
T: Você percebe essa expressão do estilo, da conquista através dele, como uma ferramenta de afirmação e demarcação de grupos e vivências? Digo no sentido de que a galera da periferia costuma ser muito apagada ou estereotipada nas mídias padrão. E aí, se essa seria uma forma de criar afirmação de identidades.
JS: Sim! A gente não é só o traficante neguinho do filme, a gente não é a escrava da novela, a gente não é só jogador de futebol com história de superação… É minha visão sobre o início de mudanças importantes pra nós, e é uma afirmação que faz bem pro ego, sabe? A parte boa do ego.
T: Agora um pouco mais sobre a forma do trabalho: por que a opção por lançar o projeto ‘FashionBoy’ em três EPs, e não em um álbum?
JS: A ideia principal era movimentar meus veículos de mídia, movimentar o público; mas eu também tinha muito medo de fazer um álbum e ele saturar muito rápido. Os EPs, por serem mais curtos, me deram uma tranquilidade, pra não deixar um trabalho muito longo e cansativo.
T: E você sentiu que essa técnica funcionou?
JS: Demais! Me surpreendeu muito. Aconteceu muita coisa depois dos lançamentos, sério; eu recebi muita mensagem sobre as músicas, muita gente nova nas redes sociais que vieram por conta das músicas… Realmente, foi muito mais do que eu esperava. E funcionou tanto que o projeto, que iria se encerrar no Bounce, que é o último EP, se estendeu pra uma Mixtape que já está em processo de produção.
T: Nesse contexto, você entrou com a campanha para 1600 visualizações no youtube antes de colocar o Bounce no Spotify e outras plataformas. Conta pra gente um pouco mais sobre essa proposta.
JS: Na verdade, essa meta era pro Instagram (risos). E foi só pra testar a galera, ver se estavam pilhadas mesmo – e tá acontecendo. Porque, infelizmente, a gente não tá podendo fazer show, e isso atrapalha muito a mobilização da galera, sabe? Tentei usar uma estratégia simples pra ver se a galera estava chapando nos trampos.
T: Além do Mixtape, quais são os planos para o ano que vem?
JS: A Mixtape, possivelmente, vem pra fechar o ano de 2020, pra deixar aquele gosto de muito trabalho e superação.
Pra ano que vem, pretendo trabalhar em projetos audiovisuais dessas músicas e, se tudo der certo e se a gente puder sair pra rua (saudadeeeeees), estudar um show de lançamento bem diferente – para, de fato, firmar esse momento especial na minha vida e na minha carreira.
T: Qual pergunta você gostaria que eu tivesse feito e não fiz? E qual a resposta para ela?
JS: A pergunta é: Qual a minha visão sobre artistas, contratantes e publico na cidade. E a resposta é a seguinte: Eu, particularmente, acho que Juiz de Fora não merece os artistas que tem. A grande maioria dos contratantes são mal educados, o que acaba por deixar o publico mal educado também. Acredito que os artistas daqui, são constantemente desvalorizados, sabe? Principalmente se tratando de Rap. Até outro dia mesmo, a gente tava pagando pra cantar; já voltei de show a pé; já toquei por um pratão de batata e água a vontade. Primeira vez que recebi pra cantar, foi quando eu tava com Banda. Desde que comecei a trabalhar com o Brackes, nunca fiquei sem receber; mas ainda assim, é muito desvalorizado.
Ouça o EP mais recente do Jovem Saga, Bounce, no Youtube:
Sobre a Entrevistadora:
Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora na Trama, Social Media na Peregrina Digital e escritora nas horas vagas.
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