Cenário: Estou sentada no chão da varanda do meu apartamento. Não é uma varanda de filme conceitual, é uma daquelas com piso quebrado e que na verdade só cabe uma pessoa e um vaso de plantas; não tem espaço pra redes nem pra compartilhar a melancolia com ninguém. Estou esperando há algumas horas; eu tinha certeza que ela ia aparecer hoje. Acordei cedo, fiz exercício físico, meditação, comi frutas, fui produtiva no trabalho. A situação é completamente favorável para que ela apareça. Só preciso esperar.
Existe toda aquela história que o tempo passa mais rápido se estamos ocupados. Uma amiga minha no jardim de infância uma vez me disse que relógios são como bonecos do Toy Story: só se mexem se você estiver olhando para o outro lado. Olhando pra trás, é uma perspectiva estranhamente poética para uma criança de cinco anos. Possivelmente, não foram essas as palavras que ela usou. Possivelmente, eu inventei isso em algum ponto da minha linha do tempo, e esse acontecimento imaginário virou fato registrado na minha memória.
Já parou pra pensar quantas das suas memórias são realmente memórias?
Da última vez que ela me visitou, eu tive uma sensação estranha de que ela ficaria pra sempre. É normal; acho que todo mundo tem sensações eternas, às vezes. Espera, deixa eu reformular. Eu tenho essa mania de achar que eu penso como todo mundo, e todo mundo pensa como eu – como se eu pudesse justificar minhas falhas dentro de um plano maior, um esquema mundial de pensamentos em sequência; mas não. Ao mesmo tempo, também não quero assumir que sou única no mundo.
Às vezes, ela vem e fica alguns dias. Às vezes, algumas horas. Ultimamente, ela tem ficado apenas por alguns minutos. Eu peço pra ela ficar. Ela diz que vai, mas que volta em breve – um dia desses, quando eu menos esperar. Aqui estou eu, sempre esperando. Se eu abrir mão, o que será que acontece?
Vou ler um livro. Três páginas e estou entediada. Lembro de quando tinha 15 anos e conseguia tranquilamente ler 400 páginas em uma única tarde. Ela vinha mais, naquela época. A gente tem brigado muito nos últimos anos; talvez por isso ela esteja um pouco cansada de me visitar. Meus amigos me dizem que eu não gosto de verdade dela, e que preciso ser mais aberta; que meu comportamento afasta ela todas as vezes que estamos quase construindo alguma coisa de verdade. Pode ser. Mesmo assim, ela volta. Um pouco de cada vez. Sem promessas. Mas volta.
Esperando a felicidade.
Gabi Guarabyra é atriz, diretora, dramaturga e professora. É pós-graduanda em Gênero e Sexualidade pela FACED-UFJF e compartilha frentes de trabalho teatral no Coletivo Feminino e no Núcleo Prisma.
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