Em 2020, com o advento da pandemia do coronavírus e o consequente fechamento das portas das instituições museais à visitação pública, muitos desafios se impuseram aos profissionais atuantes nesses espaços de conhecimento e cultura no que diz respeito a manter a interlocução com o público. Com o Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora (MG), não foi diferente. Por isso, tomamos a iniciativa de relatar e refletir um pouco sobre a nossa experiência nesse atípico ano. Acreditamos que o compartilhamento dessas experiências entre os profissionais de museus seja extremamente enriquecedor para (re)pensarmos nossas estratégias conjuntamente, sem desconsiderar – é claro – as especificidades e dificuldades de cada instituição.
Fechado às visitações públicas desde o ano de 2009, o Museu Mariano Procópio reabriu suas portas parcialmente ao público em 2016, com a inauguração de uma exposição de esculturas na Galeria Maria Amália. Desde então, este se tornou um espaço destinado ao desenvolvimento de diversas atividades de mediação com públicos variados, como estudantes, professores, acadêmicos, etc. Em janeiro de 2020, com a conclusão de uma etapa importante da restauração da Villa Ferreira Lage, o espaço físico para interação com o público se ampliou e diversas visitas mediadas foram realizadas no local. No mês de março, porém, as atividades com o público, que vinham se intensificando gradativamente, foram abruptamente interrompidas pela pandemia.
Diante desse contexto, a equipe do Departamento de Acervo Técnico e Ações Culturais se deparou com o desafio de criar estratégias e planejar ações focadas na interação com o público através do meio digital, trabalhando as redes sociais da instituição e o espaço do site da Prefeitura de Juiz de Fora, além da geração de pautas para matérias jornalísticas nos principais veículos de comunicação da cidade e região. Os principais objetivos dessas ações convergiram essencialmente para a desconstrução de determinadas ideias cristalizadas acerca da instituição e seu acervo, complexificando e ampliando a concepção que, anteriormente, atrelava a história do museu exclusivamente à monarquia e ao período imperial.
As lives, além de explorarem múltiplas temáticas, foram utilizadas para a realização de visitas mediadas à Villa Ferreira Lage, nas quais foi possível discutir o contexto de construção dessa edificação, suas transformações e usos sociais nas mais diversas temporalidades. Dessa forma, fez-se necessário ir além da narrativa que circunscreve a existência dessa residência à visita da família Imperial, por ocasião da inauguração da Estrada União e Indústria, em 1861. A partir do contato com o público, mostrou-se pertinente abordar algumas questões que pairam sobre o imaginário coletivo, a exemplo da crença que confunde o porão da residência com as senzalas do século XIX. Elucidamos, assim, que o espaço não era utilizado para esse fim, mas como ambiente de trabalho doméstico em uma residência senhorial oitocentista.
As palestras, também apresentadas em formato de live, assim como os vídeos, levaram ao público reflexões sobre o acervo e seu contexto de produção a partir de abordagens temáticas pautadas em pesquisas interdisciplinares produzidas nos últimos tempos. A partir de novos olhares e perspectivas, foi possível não apenas revisitar objetos icônicos do acervo – como, por exemplo, as telas Tiradentes Esquartejado e Jornada dos Mártires –, bem como conferir destaque a objetos ainda pouco ou nada explorados, como as publicações humorísticas, os certificados de censura cinematográfica da Coleção Carriço Film, as representações de infância nos registros fotográficos, etc. Outros vídeos se propuseram a divulgar o trabalho técnico de rotina e suas finalidades, como a elaboração de inventários e os procedimentos de conservação de fotografias e livros, lançando luz sobre alguns aspectos dos bastidores de uma instituição museológica.
No projeto “A Peça da Semana”, que teve como base algumas temáticas previamente elencadas, várias peças do acervo foram selecionadas para pesquisa e difusão. O objetivo era que se priorizassem objetos em bom estado de conservação, mas pouco ou nada conhecidos pelo público. Também procedemos à realização de pesquisa sobre o contexto de produção e a relevância histórica de cada um dos itens selecionados, o que subsidiou a redação de sucintos textos de cunho informativo, publicados nas redes sociais da instituição e no site da Prefeitura de Juiz de Fora. Não poderíamos deixar de destacar, nesse sentido, a parceria com a assessoria de comunicação da MaPro, que se mostrou fundamental à adequação da linguagem dos textos a um público mais amplo, ao registro fotográfico das peças, ao gerenciamento das publicações e à interação com o público.
Através dessa iniciativa, fomentamos o interesse e o diálogo com o público em geral, possibilitando a interatividade virtual e o despertar de múltiplos olhares sobre cada peça. Ademais, o projeto oportunizou a realização de um trabalho de mediação cultural, tendo como base a apropriação e difusão de informações oriundas de diversas pesquisas, tanto as realizadas por servidores do Museu quanto aquelas desenvolvidas por pesquisadores externos – algumas das quais resultantes, por exemplo, de parceria firmada com o Laboratório de História da Arte da UFJF.
A idealização do concurso de poesia “Museus e memórias: costurando presente, passado e futuro” teve como objetivo estimular o público à produção artística autoral, ensejando o contato com diversas expressões de subjetividade e concepções de museu. Por meio desse concurso, vivenciamos um processo de legitimação e reconhecimento mútuo entre a instituição e os participantes, demonstrando a importância dos museus não apenas como guardiões de bens culturais ou meros “depósitos de coisas antigas”, mas como espaços em que múltiplas vozes, saberes e linguagens poéticas se entrelaçam, gerando constante ressignificação de sentimentos, afetos, memórias, pertencimentos, identidades, etc.
O público pôde e poderá continuar, assim, apropriando-se dessas publicações e postagens de múltiplas maneiras, o que vem a gerar significativos efeitos multiplicadores, tanto no campo da fruição estética e cultural, quanto nos “usos” reflexivos e problematizadores pelos professores – em diferentes contextos de suas práticas didático-pedagógicas – e pelos acadêmicos, suscitando possíveis pesquisas, produção de artigos, monografias, dissertações, teses, etc. Partindo do pressuposto de que os museus não cumprem o papel de meros transmissores de conhecimentos, acreditamos que a “escuta” e o “olhar atento” às percepções, concepções e recepções do público (ou “públicos”, no plural) sejam fundamentais à idealização de qualquer projeto. Apesar dos ínfimos recursos, de toda a precariedade de suas instalações e da diminuta equipe de trabalho atuante à frente de um volumoso acervo, o Museu Mariano Procópio conseguiu alcançar resultados positivos no aumento do número de seguidores e engajamento/ interatividade nas redes sociais. Entretanto, muitas dessas ações só se tornaram possíveis a partir das atividades de conservação, processamento técnico e pesquisa desenvolvidas de maneira sistêmica e cotidiana ao longo do tempo; um trabalho discreto e silencioso, que, se não divulgado, expõe-se ao risco do silenciamento e da falta de interlocução com o público – especialmente em um contexto que impõe aos museus restrições materiais, financeiras e humanas ainda maiores à plena capacidade de expor seus acervos.
Rosane Carmanini Ferraz é professora de História e historiadora. Trabalha no Museu Mariano Procópio e na Fundação Caed/UFJF. Possui graduação em História, especialização e mestrado em Ciência da Religião (PPCIR/UFJF) e doutorado em História (PPGHIS/UFJF).
Sérgio Augusto Vicente é Professor de História e historiador. Graduado, mestre e doutorando em História pelo PPGHIS/UFJF. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora – MG. Dedica-se a pesquisas relativas ao campo da história social da cultura/literatura, sociabilidades, trajetórias e memórias.