#AlôFamília – Preconceito

Eu vou te contar que você não me conhece. E seu ódio por mim talvez venha desse desconhecimento. Eu mesma também não lhe conheço, mas só de olhar assim, a gente já pensa um monte de coisas, né? Coisa estranha, isso do preconceito. Às vezes penso que ele, o preconceito, é só o que seu nome mesmo explica: um conceito prévio dos que não ultrapassam as barreiras do entendimento do outro. É só a gente se olhar assim, meio torto, e já vem aquele monte de estereótipos na nossa mente. Aí pronto… nasce o maldito preconceito. E é duro de morrer, viu?

Deixe-me tentar um outro caminho. Prazer! Eu sou a Carolina. Mulher, cisgênero (dá um google), 44 anos, branca, suburbana, carioca, professora, atualmente diretora de escola federal aqui do Rio mesmo, casada há 19 anos, mãe de uma menina de 11 anos e uma cachorrinha filhote que dá muito trabalho. E sou lésbica. Tomou um susto? Essa palavra assusta, né? Também me assustou quando descobri, ainda na adolescência, o que eu era. Porque pra nós também é assim, sabe, no susto mesmo. A gente não escolhe gostar, amar, sentir atração por alguém do mesmo sexo que a gente. A sexualidade humana se forma mesmo diversa e a partir de inúmeras experiências psicossociais, que vivenciamos em sociedade e nos afetam o psicológico das mais diferentes formas. Juro que, diante do tanto que se sofre nesse nosso mundo por ser diferente, às vezes penso que, se tivesse escolha, seria “normalzinha”, do jeitinho que mamãe queria. 

E tentei. Ah, se tentei! Porque quando a gente descobre que ama diferente de todo mundo que você conhece, que seu tipo de amor não aparece nos beijos românticos das novelas de TV, que sua mãe diz que tem nojo de mulher assim e que desde pequena só de você andar alguém já grita “sapatão!” e você nem entende o motivo, porque seu pé é pequeno… ah, meu amigo… tudo que a gente quer é que esse pesadelo acabe e você se case de noiva com o primeiro Ze Mané que aparecer. Mas não funciona. A gente não consegue. Aí a gente se conforma com o que é e tenta viver… ou sobreviver.  

Demora até a gente entender que o jeito de amar de cada um é diferente. E tudo bem com isso. Demora se olhar no espelho e se sentir bem consigo mesma, sem se achar esquisita. Demora até digerir o “sapatão” da infância e ressignificá-lo em uma das tantas formas de amar. E é por isso que tem que ter casais como o meu na TV. Por isso que tem que ter programas que falem sobre adoção por homossexuais. Porque a minha filha existe, mesmo que ela não esteja nos comerciais de margarina. Por isso que tem que ter lei que diga que temos os mesmos direitos. Que nos protejam dos ódios de quem nem nos conhece, mas nos mata por aí. Não é chatice de militância mimizenta de Facebook. Tá bom… tem militante chato pacas, tô sabendo. E eu até gostaria de concordar com você que somos todos iguais e não precisamos de leis ou ações afirmativas específicas. Mas a verdade é que morremos mais por causa de ódios homofóbicos, que temos menos oportunidades de emprego, que sofremos nas estatísticas dos estupros, no nosso caso, “corretivo”… Pois é. Com a gente, o buraco é mais embaixo.

E é por isso que estou fazendo esse texto. Nem é por mim. Nem sei se é por você. Quem sabe o nosso tempo já se foi cheio de erros, ódios e desencontros… Mas é pelos nossos filhos. Para que eles se conheçam num parque ou na escola e comecem de novo por nós. Para que a minha filha possa dizer ao seu filho que tem duas mães. Para que seu filho possa dizer que tem um pai e uma mãe. Para que o filho da minha amiga possa dizer que tem só mãe ou só pai ou dois pais. E eles sorriam com a leveza dos que se despem dos ódios antigos, porque se reconhecem pessoas iguais em humanidade e direitos, mas diferentes em possibilidades de amar e de viver.


Carolina Medeiros é professora de História, graduada pela UFRJ, mestre em sociologia pela Uerj, atualmente Diretora do Campus Engenho Novo II, do Colégio Pedro II, esposa da Andreia, mãe da Luiza e da cachorrinha Flor.


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