O colonialismo, a atividade comercial e a modernização dos transportes, especialmente o marítimo, intensificaram os contatos entre o Oriente e o Ocidente no século XIX. Muitos escritores, artistas e arqueólogos viajaram para a Europa e o Oriente Médio nesse período. A literatura, os desenhos, pinturas e objetos trazidos dessas regiões alimentavam o gosto do público, ao passo que as exposições universais, em grandes capitais da Europa, permitiram o contato mais próximo com a cultura das regiões orientais.
A fotografia acompanhou essas transformações históricas. A partir de 1860, com o incremento das viagens, vários profissionais passaram a atuar no Oriente, com o objetivo de comercializar sua produção na Europa, legando-nos uma rica documentação. Diversos profissionais passaram a receber encomendas oficiais dos governos turco e egípcio, utilizando-se da fotografia para documentar grandes obras de modernização das cidades. Entre esses profissionais, podemos citar: James Robertson, que passou a atuar em Constantinopla, Hammerschmidt, no Cairo, Gustave Le Gray, em Alexandria, e Félix Bonfils, em Beirute. A princípio, observa-se a atuação de fotógrafos franceses e britânicos, mas, posteriormente, profissionais locais como Pascal Sebah, Lékégian e Abdullah, entre outros, passaram a fazer seus registros (AUBENAS, 2003).
A produção desses fotógrafos é extremamente variada, contemplando monumentos e sítios históricos, paisagens, cenas pitorescas, pequenos ofícios, retratos e tipos autóctones considerados “exóticos” pelo etnocentrismo europeu. Não obstante que algumas dessas imagens pareçam artificiais, montadas para recriar um Oriente “sob encomenda”, ao gosto dos viajantes estrangeiros, há que se ressaltar que muitas dessas fotografias são de notável qualidade técnica. (AUBENAS, 2003)Essas fotografias, encartadas em álbuns ou não, foram adquiridas pela aristocracia, que tendia a ditar comportamentos e modismos.
Um dos fotógrafos locais de maior destaque no Oriente Médio neste período foi o turco Pascal Sebah (1823-1886). Sua produção envolve suntuosos retratos de estúdio de modelos vestidas com ornamentos, imagens de monumentos e do patrimônio histórico do Oriente Médio, dos povos autóctones e dos tipos humanos, além de panoramas grandiosos de importantes regiões da Turquia e do Egito.
Pascal Sebah, filho de um católico sírio e uma armênia, nasceu na capital Império Otomano, Constantinopla (atual Istambul), uma cidade composta por diversos povos de culturas distintas, onde abriu seu primeiro estúdio, em 1857. A carreira do fotógrafo coincidiu com o já mencionado intenso interesse e fascínio do ocidente europeu pelo Oriente (WOODWARD, 2003), o que garantia mercado consumidor para as imagens produzidas por esses profissionais.
Sebah rapidamente estabeleceu uma boa reputação por suas composições bem organizadas, iluminação cuidadosa, atenção aos detalhes, pela qualidade técnica e também pela excelente impressão, graças ao seu técnico de câmara escura, o francês, A Laroche. Em 1859, Sebah foi premiado com sua primeira medalha pela Sociedade Francesa de Fotografia.
Teve sua carreira alavancada através da parceria e colaboração com o pintor Osman Hamdi Bey (1842-1910). O artista levou exuberantes modelos, parte delas vestidas em trajes típicos, para serem fotografadas por Pascal Sebah. Posteriormente, se utilizou das fotografias de Sebah como referência para seus retratos a óleo, de personagens orientais. Ao ser nomeado diretor da exposição otomana em Viena, em 1873, Osman Hamdi Bey encomendou a Pascal Sebah uma série de fotografias para o álbum “Fantasias Populares da Turquia”. Com este trabalho, o fotógrafo ganhou uma medalha de ouro na exposição e outra medalha do sultão Abdul Aziz, do Império Otomano. (WOODWARD, 2003).
Ainda em 1873, Sebah abriu um estúdio fotográfico no Cairo (Egito). Continuou a produzir fotografias de estúdio com modelos exuberantes, sendo responsável por algumas das imagens mais conhecidas do Egito antigo, paisagens e tipos humanos. Em 1878, Sebah recebeu uma medalha de prata por suas fotografias do Egito e dos povos do deserto da Núbia, expostas na Exposição Universal de Paris.
Em 1883, Sebah sofreu um derrame e seu irmão, Cosimi, passou a gerenciar o estúdio, falecendo em 1886, com 63 anos. Quando Jean Sebah, filho de Pascal Sebah, assumiu a gestão do negócio, em 1890, começou a inscrever as iniciais de seu nome – JP Sebah – nas chapas fotográficas do ateliê, aparentemente colocando sua própria inicial na frente da assinatura de seu pai. Tal fato dificulta a identificação exata da produção de ambos por parte dos pesquisadores. No mesmo ano, Jean Sebah estabeleceu uma parceria com o francês Joaillier Policarpe, renomeando o estúdio, que passou a ser conhecido como Sebah & Joaillier. Entre diferentes sociedades e parcerias ao longo do tempo, o estúdio ficou marcado por sua longevidade, mantendo-se em atividade até 1952, durante 95 anos.
A família Sebah desenvolveu um modo de representação que combinava uma visão detalhada do local e da sociedade otomana, com signos visuais de uma nova ordem moderna. O estúdio dos fotógrafos turcos criou um estilo único de fotografar grupos de pessoas em espaços públicos, que Michelle Woodward (2003) chama de “retratos da comunidade”. Este estilo revela uma negociação entre os desejos de turistas por imagens exóticas e os “locais” otomanos.
No Brasil, o acervo de Pascal Sebah encontra-se representado em duas instituições públicas que guardam importantes coleções fotográficas: a Biblioteca Nacional, integrando a Coleção Thereza Cristina e o Museu Mariano Procópio, integrando a coleção do criador da instituição, Alfredo Ferreira Lage.
Pascal Sebah, é responsável, junto com Félix Bonfils e Antonio Beato, pela maior parte das fotografias do Oriente Médio na coleção Thereza Cristina. Segundo Goldfeld (2006), a produção de Sebah na referida coleção totaliza 62 fotografias avulsas de vistas do Egito, retratos de mesquitas e prédios religiosos em Brousse, na Turquia, além de 32 imagens encartadas no álbum Basse Egypte & Alexandrie, Le Caire, Giseh, Jerusalém et Jaffa, e 40 fotografias que integram o álbum Haute Egypte & Louksor. Karnak et Thèbes. Beyrouth et Balbek.
No Museu Mariano Procópio, a coleção de Pascal Sebah é composta de uma expressiva panorâmica de Constantinopla – intitulada Souvenir de Constantinople, e uma série de retratos de tipos humanos, de sacerdotes a vendedores, além do retrato do sultão Abdul Hamid II. A série está encartada em um álbum que, além de algumas vistas urbanas, tem como tema principal os chamados “tipos humanos”, de diversos países, de autoria de fotógrafos variados. As imagens retratam dervixes giradores, vendedores ambulantes como o vendedor de bolos, o guarda noturno e o grupo de bombeiros turcos. Alguns tipos considerados “exóticos” à época, como o anão do sultão e o eunuco, também fazem parte da coleção.
A produção de Pascal Sebah e Filho carrega importantes referências estéticas, históricas, culturais, antropológicas e científicas. Suas imagens na Coleção Thereza Cristina e no acervo do Museu Mariano Procópio, demonstram o interesse pelo colecionismo de fotografias de “tipos humanos” e de grandes monumentos e ruínas representativas das civilizações antigas e da história universal, característico do gosto da elite do século XIX.
REFERÊNCIAS:
AUBENAS, Sylvie. Viagens pela fotografia no século XIX: a coleção do Imperador Pedro II. In: De volta à luz: fotografias nunca vistas do Imperador. São Paulo, Rio de Janeiro: Banco Santos, Fundação Biblioteca Nacional, 2003.
GOLDFELD, Monique Sochaczewski. Fotografias do Oriente Médio na Coleção Teresa Cristina. Anais do XXIV Simpósio Nacional de História, 2007.
WOODWARD, Michelle L. Between Orientalist clichés and Images of Modernization: Photographic Pratice in the Late Ottoman Era. History of Photography, volumen 27, Número 4, 2003.
Rosane Carmanini Ferraz é professora de História e historiadora. Trabalha no Museu Mariano Procópio e na Fundação Caed/UFJF. Possui graduação em História, especialização e mestrado em Ciência da Religião (PPCIR/UFJF) e doutorado em História (PPGHIS/UFJF).