Sobre Janelas

Quem disse que janelas e portas nos ensinam a enxergar sempre um universo recortado e enquadrado?

Alberto Caeiro, um dos heterônimos do poeta Fernando Pessoa, dizia: “Da minha aldeia vejo o quanto da terra se pode ver do universo…”; pois eu diria que, da minha janela, vejo muitas dimensões do universo. Dimensões que atravessam espaços e tempos…

As janelas e as portas, com seu encanto e magia, ao conectarem memórias minhas, dos outros, de agora e de outrora, não restringem minha percepção do mundo à simples dicotomia “dentro e fora”.

São janelas e portas centenárias, intertemporais, feitas por desconhecidas mãos de outra geração. Seu azul conecta terra e céu, finito e infinito, presente, passado e futuro, amor e gratidão, fantasia e realidade. Quantas mãos já nelas tocaram? Quantas sensações já nelas experimentaram? Quantos horizontes já nelas espreitaram? Quantos amores já nelas esperaram?

Através delas, enxergo o mundo com olhos de sonhador, sem me aprisionar na faceta opressora da saudade e da nostalgia. Aumentar suas expectativas de vida através da restauração não é um desejo materialista fútil, muito menos um compromisso com o passado; mas um alento e um bálsamo pra minh’alma e as de todos que sofrem com as nebulosas nuvens de sombrios tempos presentes. Através delas, preservo minha capacidade de imaginar o mundo além das montanhas, do silêncio da solidão ou das tagarelices de uma sociedade sequelada pela overdose das janelas virtuais. Através delas, das janelas materiais, físicas, cultivo a arte da espera; enquanto o mundo, frenético, acelerado, espera de mim a corrida contra um tempo irrecuperável. Janelas… Já nelas eternizei numerosas paisagens e cenas do cotidiano. Seus contornos, como molduras de uma tela, conferem beleza a qualquer cena banal. Nelas, enxergo um mundo em constante transformação, mas com ritmo mais dinâmico que a dureza do pincel e menos extasiante que as telas da TV, do computador e do celular. Sobre estas janelas, me debruço como uma costureira sem pressa, que costura os tempos e alinhava as memórias. De pedaço em pedaço, um dia, quem sabe, cubro-me com essa grande colcha de retalhos…


Sérgio Augusto Vicente é Professor de História e historiador. Graduado, mestre e doutorando em História pelo PPGHIS/UFJF. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora – MG. Dedica-se a pesquisas relativas ao campo da história social da cultura/literatura, sociabilidades, trajetórias e memórias.


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