Nasce, em outubro de 2000, a entidade cultural: Aldrava Letras e Artes com artistas e escritores, para a produção e promoção das artes literárias, plásticas e musicais. Em novembro de 2000, circula a primeira edição do Jornal Aldrava Cultural, em dimensões compatíveis com o fôlego financeiro dos seus editores. Esses dois eventos representavam o amadurecimento dos projetos anteriores e uma aposta na força da ação conjunta dos poetas que somaram experiências desde a edição do PoeZine em 1994. Os fundadores da Aldrava Letras e Artes são: Gabriel Bicalho, Hebe Rôla, Donadon-Leal, J.S. Ferreira, Lázaro Francisco da Silva, dentre outros.
Em novembro de 2000, foi distribuída, nas ruas de Mariana, a primeira edição do Jornal Aldrava Cultural. Gabriel Bicalho não buscava a unidade no grupo, mas a heterogeneidade que pudesse manter características e estilo de cada um. Tratou, inicialmente, de publicar a poesia que representava cada um dos poetas, como forma de apresentação destes que formariam, quem sabe, uma unidade produtiva. Essa foi a forma encontrada por esses poetas para saírem do isolamento – aquele imposto pelo fato de morarem em cidade do interior, sem visibilidade porque fora, portanto, da rota de circulação editorial concentrada nas grandes capitais.
Lázaro Francisco da Silva responsabilizou-se por estabelecer os conectores entre as características e os estilos individuais, sem, porém, debitar perdas a cada um em nome da construção de um estilo coletivo. Nascia a ‘família’ aldravista, para dar visibilidade e divulgação ao conjunto de estilos individuais que se agremiava em torno de uma ideia que os assemelhava. O tônus dessa iniciação não podia se contaminar pela configuração da sociedade brasileira da época, que se amparava na individuação das soluções – a autoajuda, a carreira solo: a aldrava, ao contrário, batia nas portas da terra de Cláudio Manuel da Costa, duzentos e poucos anos após a instalação em Vila Rica, por diploma da Arcádia Romana, da Colônia Ultramarina (1768), da qual foi vice-custódio e na qual congregou nomes como de Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga. (PEREIRA, 1996) No mesmo período, no Rio de Janeiro, Basílio da Gama, Alvarenga Peixoto e Domingos Caldas Barbosa fundavam a “Arcádia Ultramarina” (1769). Na Bahia, já havia a “Academia Brasílica dos Acadêmicos renascidos”, desde 1759. No Rio de Janeiro a Academia dos Seletos funcionava desde 1752. (PEREIRA, 1996) O contato com a terra do instalador da academia literária em Minas Gerais faz com que os poetas aldravistas imaginem uma agremiação literária que tenha às vistas ideários de socialização dos fazeres, tais e quais os dos letrados que, segundo Antonio Candido:
Tendiam a reunir-se em agrupamentos duradouros ou provisórios, – seja para cumprimento a longo prazo de um programa de estudos e debates literários, seja para comemorar determinado acontecimento. (…)
Eis que era preciso configurar uma fisionomia para o novo grupo, que manifestasse uma produção de leitura dos discursos do mundo, em sua abrangência polifônica, heterogênea, e sem a pretensão da unanimidade. Essa fisionomia, mais uma vez, tocava na fonte árcade e na fonte iluminista do conceito de liberdade de Rousseau: “renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres” (ROUSSEAU, 1983, p. 27). Porém, esse grupo percebia as contradições que envolvem o exercício da liberdade, quando o próprio filósofo se questiona: “Que! a liberdade só se mantém com o apoio da servidão?” (ROUSSEAU, 1983, p. 109)
A vontade de socialização na agremiação formada por sujeitos livres abria, mês depois, o século XXI, e conspirava, na acepção da Conjura Mineira, pela construção de “um trabalho coorporativado, (…) de figuras de livre trânsito nacional e internacional, quando a questão é acadêmica ou artística (…)”, como disse Lázaro Francisco da Silva, no editorial da primeira edição do Jornal Aldrava Cultural (SILVA, 2000, p. 1). Da mesma forma, J. B. Donadon-Leal abre a jornada aldravista com a defesa da liberdade:
Os poetas de hoje, para além da modernidade, (não compactuo com a pobreza conceitual dos prefixados por pós) libertaram-se dos grilhões que os prendiam aos discursos panfletários e dogmáticos das academias castradoras da liberdade e podem viajar com a heterogeneidade discursiva da Análise do Discurso, inaugurada pela polifonia bakhtiniana e consolidada pela polifonia enunciativa ducrotiana, com o reconhecimento das vozes assumidas de Enunciadores em convivência nos espaços conquistados por Locutores democráticos nos seus fazeres poéticos de pleno exercício da liberdade.
(DONADON-LEAL, 2000, p. 7)
A síntese do Aldravismo como “a literatura do sujeito” foi elaborada por Lázaro Francisco da Silva. Os aldravistas assumiram para si a tese do trabalho conjunto, mas com autonomia de expressão, uma vez que o conceito de sujeito defendido os conduzia para a percepção de sujeito como aquele que pode ser condutor do seu próprio destino, embora deixe transparecer vozes das várias instituições com as quais manteve ou mantém algum vínculo.
Em 2003, morre Lázaro Francisco da Silva. O grupo ganha o ingresso de Camaleão e de Andreia Donadon Leal, esta última que levou o conceito aldravista às artes. Andreia Donadon, com a negação do traço em seus portais, drippings, manchas e borrões representou o movimento em exposições individuais, coletivas e circuitos internacionais, além de vencer concursos de artes plásticas no exterior. Criou intervenções em peças de roupa, cômodos, além das ‘ALDRAVINTURAS’, pintura livre com manchas e borrões, aplicando a técnica em sessões de Arteterapia.
Em 2011, os poetas, Andreia, Gabriel, Ferreira e.Donadon-Leal, publicaram o 1º livro de aldravias: Germinais: aldravias (2011), que coroa a proposta aldravista com a apresentação de uma nova FORMA de poesia, genuinamente brasileira – a aldravia, criada em 17/09/2010 pelos quatro poetas.
Cabe explicar nessa incursão histórica o conceito de aldravia, uma forma poética que coroa o esforço criador dos aldravistas. Trata-se de um poema sintético, de seis versos univocabulares. A instantaneidade no trânsito das informações contemporâneas torna possível construir uma proposição poética sem as fórmulas complexas da poesia tradicional, travada de figuras de linguagem e de inversões sintáticas. A aldravia demonstra haver poeticidade na comunicação sintética cada vez mais intensa nos dias atuais. Seis palavras dispostas em seis versos representam a poeticidade abstraída de continentes conceituais, ou seja, metonímias poéticas de visões de mundo.
A trajetória aldravista autoriza interpretá-la como empreendimento intelectual com identidade conceitual e teórica definidas, que busca quebrar uma tradição de dependência da herança lusitana ou a correntes estrangeiras, especialmente europeias, como diz Nunes:
Os germes da literatura vieram de fora, mudando seletivamente pela ação de elementos endógenos. Assim, tal como a História política, a História literária traduzirá o resultado de uma esforçada conquista sobre a perdurável herança lusitana, modificada pelo sentimento nacional e pela repercussão das correntes estrangeiras, máxime a francesa, a partir do Romantismo (NUNES, 1998, p. 232)
Assim, vem se consolidando o Aldravismo como movimento propositivo; não de importação de modelos, mas de coroação de uma trajetória em busca de algo original. A Literatura Brasileira, enfim, deixa de ser copista de esquemas teóricos e formas estrangeiras, para ser referência, parâmetro.
Andreia Donadon Leal é mestre em Literatura, especialista em Artes Visuais, Arteterapia e doutoranda em Educação. Membro da Academia Marianense de Letras, da ALACIB e da Aldrava Letras e Artes. Artista plástica, escritora.