Nos últimos meses, encaro os cantos dessa casa com um desespero predador. Não consigo encontrar o tempo que me falta. Já procurei em tudo: dentro do armário de panelas, debaixo do sofá, naquela fresta empoeirada atrás da cama e até remexi a terra das plantas. Não encontro os pedaços do relógio que me faltam.
A promessa dos três pulinhos a São Longuinho ganhou uma lista de três: gritinhos, dancinhas, flexões, batidas na madeira e bolos. Três bolos eu prometi se as horas me aparecerem. Veja bem, não ando soberba: não ouso pedir mais tempo para simplesmente realizar meus desejos. Eu até tenho meus quereres, é certo; quero organizar a gaveta de meias, pendurar os quadros (agora, largados no chão da sala) e até gostaria de testar umas receitas envelhecidas pelos livros empoeirados. Porém, meus desejos são meus, e deles, eu dou de cuidar.
Há um encabulamento flutuando na cozinha, onde deixei minhas horas descansando na bancada. Elas sumiram. Embora eu até acredite naquela coisa dos duendes, não acho que o tempo lhes seria um grandioso tesouro. Eles não seguem o ritmo de vida do capital, da correria, do trabalho e da produção. Seria mais fácil que eu, movida pela mais pura inveja, roubasse deles um pouco da subversão.
Voltando à minha questão: eu realmente preciso de mais tempo. Ou não pediria, não sou de pedir muito. O relógio está se espremendo na parede junto de mim e nós dois ficamos pequenos demais — e quanto menores nos tornamos, mais apressados e perdidos e calados tiquetaqueamos dias e semanas adentro, sem percebermos o quão dominados nos tornamos porque sequer nos resta alguns segundos para colocar um ponto final na frase.
Sem a gentileza das pontuações, a história corre asfixiante. De manhã, me levanto da cama tropeçando nos minutos. Tomo um café adoçado e, antes mesmo da mordida no pão, a vida já me amarga um pouco a boca. Mas não há tempo para saborear nem mesmo a amargura porque os prazos fazem fila na caixa de e-mail e eu ainda preciso fazer o almoço. Mais tarde, é a lista do mercado que encurta a conta bancária e é preciso ir a pé, porque até falta tempo para caminhar, mas falta dinheiro para abastecer. E quando escorrega da minha boca a mesma promessa de sempre, até de noite eu terei tempo para fazer aquela coisa, o céu apaga a luz e logo é dez da noite e o corpo já não se importa com a pilha de papéis atemporais.
Eu poderia pedir um pouco de tempo para praticar a yoga esquecida em janeiro ou para retomar a leitura de García Marquez, mas entendo que esses pedidos não estão na área de prioridades e, portanto, cabe a mim a organização necessária. Então, peço mais tempo, porque é preciso tiquetaquear um pouco mais para respirar entre as produções. O resto que me é dado como responsabilidade, todos os ingredientes essenciais do meu processo de cuidado mental, deixa que cuido eu. A subversão que roubei umas linhas acima tratará de devir.
Fernanda Zeloschi é estudante de Psicologia e, quando ninguém está olhando, escreve e compartilha seus questionamentos e descobertas na página @fazerafetar.