Eu não sei vocês, mas a minha cabeça opera de um jeito curioso: nela, vivem o ‘eu’ que faz as coisas e o ‘eu’ que observa o outro ‘eu’ fazendo as coisas. Essa semana, o ‘eu’ observador tem certeza que os vizinhos me acham completamente maluca; me dei conta disso hoje.
Vivendo sozinha, em isolamento social, eu tenho muitas conversas com Elis Regina, minha cachorra. Com ela, falo de mim em terceira pessoa, chamando a mim mesma de ‘mamãe’. Com frequência, pergunto a ela, em alto e bom tom, se ela pegou o carregador do meu celular, ou se ela viu o livro que estou lendo e não consigo encontrar. Falo com voz aguda – o que foi censurado pela treinadora dela; é apenas uma forma de agitar os cães, essa vozinha de bebê. A gente acha que eles estão felizes quando abanam o rabo, mas não é sobre isso, nunca foi; a treinadora me contou isso, também.
Vivendo sozinha, em isolamento social, quis ser uma tutora melhor para minha cachorra, Elis Regina. Fiz um curso de comportamento canino que ajudou muito, e agora Elis Regina dorme na caixa de transporte toda noite. De toda forma, eu ainda dou pedaços de queijo pra ela e deixo a bichinha subir no sofá (ainda cubro a cachorra com o meu cobertor); um pouco de salada, um pouco de droga. Nesse processo, os meus diálogos absurdos com Elis Regina permanecem. Eu explico para ela tudo o que irá acontecer: que ela vai ficar fechada na caixa só um pouquinho e que eu já venho; que ela não pode ficar uivando na varanda porque ela não deve interagir com todo e qualquer estímulo que aparece porque eu não preciso de um cachorro estressado em casa; que pelo amor de Deus, cachorra, você precisa parar de chorar pra eu poder abrir a caixa pra você sair, porque se eu abrir antes de você parar de chorar, você vai entender que chorar funciona pra você conseguir o que quer – e mesmo que funcione, eu não posso deixar você saber disso porque eu PRECISO que você pare com essa coisa de ficar chorando antes que eu enlouqueça de vez.
Os meus vizinhos têm certeza que eu sou doida de pedra. Se eu ouvisse esse tipo de diálogo no apartamento ao lado, acima ou abaixo, também acharia que a pessoa é doida. E talvez eu seja, mesmo, doida. A psicóloga diz que eu sou só Borderline, mas cá entre nós, acho que eu sou doida mesmo. Todo mundo é. E, quem não era, ficou, depois desses 400 dias enfurnados em casa – ou indo à rua, com algum peso na consciência. Mesmo quem sai e encontra outros se sente sozinho. E a solidão não é o motivo primário da loucura? Talvez eu esteja sim, doida. A solidão tem me bagunçado completamente. Mas talvez eu não esteja tão doida assim. E, se estou certa, a culpa é da Elis Regina.
Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora na Trama.