Lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário,
E em seguida o reino de Deus virá por si mesmo
Hegel
Explodir
A história universal, tal como Walter Benjamin a representa, é aditiva: “ela utiliza a massa dos fatos, para com eles preencher o tempo homogêneo e vazio”. É um tempo fetichista; reificado. A história geralmente é aplainada nesse fluxo contínuo. Somente quando paramos é que se torna possível o confronto à história e recuperação de seu passado oprimido. São explosões, rupturas, cortes, furtos. Quando essas quebras acenam às ruas, o povo indígena enuncia um movimento de conservação libertária, que desvia o curso da história para uma época antes forcluída. Esse anúncio é um apelo ao tempo.
Escovar
O contemporâneo que se conforma tem empatia pelo vencedor. É isso que a história mostra quando é contada pela versão dos colonizadores, impactados nostalgicamente pelo que representou extermínio e caça ao povo dessa terra. Os vencedores são os estandartes da barbárie que marcham em tom fúnebre por sobre o solo dominado pela força bruta do branco. Todos os documentos estão alinhavados pelo triunfo dos poderosos, e por isso são evidências da barbárie. Pra reler o país, é preciso desidentificar-se com o curso desta transmissão e escovar a história a contrapelo.
Reviver
Pois “toda terra é indígena”. Não existe rememoração transiente. Quando a imagem do passado se apresenta ela é experiência no tempo que flutua e faz parar o tempo histórico. Para que a consciência histórica, então, emerja, o “era uma vez” de Pindorama necessita ruir em seu aspecto progressista e reviver enquanto “tempo de agora”, que conecta uma época a outra e faz notar o messiânico.
Profanar
Se a tradição está nas mãos dos opressores, ela deve ser inconformadamente arrancada. Ela deve servir à redenção dos que despertam como signo de esperança e se contrariam ante a demissão de sua existência. Pois o passado não é “o que foi”: ele é a revitalização lampejante da memória nos tempos de perigo. Recusar a tradição dos opressores e recuperar a história – eis o imperativo da luta indígena, que se opõe a aceitar o estado de exceção em que se vive.
Redimir
Do ponto de vista do progresso e do capitalismo, o tempo avança sem interrupções e vê o horizonte como espólio. Mas quem vê os acontecimentos de cima sabe que nada do que aconteceu está verdadeiramente perdido. A vista do ponto dos vencidos é totalmente outra, porém está deslocada, borrada, interrompida. Somente quando cada momento compor o quadro geral da existência, e em que o povo desta terra obter a presença viva de seu passado – somente nesta luta é que a redenção será abraçada.
Em solidariedade a todos guerreiros e guerreiras indígenas que lutam por sua existência em favor da demarcação de suas terras. A todos e todas essas: um futuro de paz!
Micael Correia tem 22 anos e é um escritor não-autorizado. Faz graduação em Psicologia e nutre interesse por Psicanálise, Cultura e Religião.