A culinária, assim como a arte, compartilha o mito do dom natural, aquela capacidade especial que alguns indivíduos aparentam possuir desde o nascimento para a realização de certos ofícios. Ainda hoje é comum a valorização daquele profissional que nunca frequentou cursos ou escolas, mas que, mesmo assim, foi capaz de exercer a atividade com certa precisão.
O problema é que este tipo de raciocino parece ignorar as muitas tentativas do artista/cozinheiro para chegar até a elaboração de um resultado satisfatório, ou seja, o seu estudo não é valorizado como estudo.
Mais do que uma aptidão natural, estas atividades só se tornam frutíferas, graças ao esforço e vontade de quem se dedicou ao seu aperfeiçoamento. O desenvolvimento da atividade, mesmo sem a presença de um tutor, só se dá mediante a criação de um método, que pode ser exclusivo e individual, ou então herdado de outra pessoa, e até mesmo uma combinação das duas condições anteriores.
O preparo do pão de fermentação natural exemplifica bem essa condição. Embora não seja tão antigo como os desenhos encontrados nas grutas de Altamira, o pão vem acompanhando o processo evolutivo da humanidade desde os seus primórdios. O abandono de um estilo nômade de vida, permitiu o desenvolvimento do pão juntamente com a agricultura e seus diferentes tipos de grãos.
A princípio, o uso alimentício dos grãos como a aveia, a cevada, o trigo, dentre outros, foi feito por meio da moagem com as pedras, e resultou em uma farinha que podia ser consumida na forma de mingau ou então cozida, mas que ainda não era fermentada e por isso resultava em um pão extremamente duro. A descoberta do pão fermentado foi atribuída aos egípcios, mas o aprimoramento da técnica foi realizado pelos gregos, que aumentaram a diversidade dos sabores ao adicionarem outros ingredientes, como o óleo, o mel, o vinho e o leite. Trajetória semelhante é encontrado ao iniciar o estudo a história da arte, que compartilha as mesmas localizações como ponto de partida.
A principal diferença entre o pão de fermentação natural e pão comumente encontrado nas padarias é a utilização da massa madre, também conhecida como levain, que é a base da massa do pão e agente realizador do crescimento do mesmo. Embora seja composto majoritariamente por apenas 3 ingredientes (a farinha, a água e os microrganismos), os resultados obtidos mudam conforme a temperatura, o tempo de descanso, os microrganismos locais e a sua manipulação. E, assim como em um processo artístico, também é permitido ao seu realizador a experimentação por meio da adição de outros materiais e também a variação das condições expostas para a obtenção de novos resultados.
A comida satisfaz uma necessidade básica, primária, que é a fome, podendo ser julgada conforme o gosto, mas ela também permite uma ampliação da sua experiência pelo o amadurecimento do indivíduo, que pode buscar por experiências novas para o paladar. O resultado da experiência artística não se diferencia muito, só satisfaz um outro tipo de fome.
Felipe Rocha é bacharel em educação artística e confeiteiro em formação.
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