Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga tornou-se o segundo imperador do Brasil com apenas cinco anos de idade, após a abdicação do trono brasileiro por seu pai, d. Pedro I, ocorrida em 1831. Com a antecipação de sua maioridade, d. Pedro II governou o país de 1840 até 15 de novembro de 1889, quando a república foi instaurada no Brasil e a família imperial exilada na Europa. Lá, o imperador destituído se identificava como d. Pedro de Alcântara. Sua nova rotina envolvia leitura e escrita, visita a instituições, encontros com amigos e intelectuais. Banido do território brasileiro, faleceu no Hotel Bedford, em Paris, na madrugada do dia 05 de dezembro de 1891, em decorrência de uma pneumonia aguda no pulmão esquerdo.
A morte do ex-imperador teve grande repercussão no Brasil e no mundo: milhares de telegramas e centenas de coroas de flores foram enviados ao hotel. A imprensa estrangeira publicou artigos elogiosos a sua figura. No Brasil, apesar do silêncio do regime republicano, casas comerciais fecharam as portas, sinos anunciaram seu passamento, tarjas pretas se fizeram presentes nas roupas, bandeiras foram hasteadas a meio pau, missas realizadas e necrológios publicados. Os funerais, que aconteceram em Paris e Lisboa, foram minuciosamente acompanhados pela imprensa nacional.
O Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio possui alguns exemplares do convite para as exéquias de d. Pedro, que aconteceram na igreja de Madeleine, em Paris, no dia 09 de dezembro de 1891. O convite, escrito em francês, possui as armas imperiais e uma margem preta, em referência ao luto. Impresso pela Maison Henri de Borniol, casa funerária ativa ainda hoje, apresenta d. Pedro como “Sua Majestade O Imperador do Brasil”. No canto inferior esquerdo consta a informação por onde os convidados deveriam entrar para tomar seus lugares. No canto inferior direito, o nome de quem convidava, conde de Aljezur, camareiro da Corte Imperial.
A distribuição dos convites obedeceu um rigoroso protocolo, que levou em consideração o status do convidado. Conhecidos em diferentes cores, as quais indicavam o lugar do indivíduo na igreja, foram enviados às personalidades arroladas pelo Serviço de Protocolo do governo francês em acordo com a princesa Isabel. Tais convites são raros, pois poucos exemplares foram conservados.
Outras versões do convite para as exéquias de D. Pedro II. Acervo do Museu Mariano Procópio. Juiz de Fora – MG.
A cerimônia fúnebre mobilizou grande parte da realeza europeia e representantes de diversas nações. Além disso, contou com a presença de intelectuais e acadêmicos. A França, símbolo da república, homenageou o ex-imperador americano concedendo-lhe um funeral pomposo: como titular da Grã-Cruz da Legião de Honra, d. Pedro recebeu tratamento e honras militares.
As exéquias em Paris foram acompanhadas por uma multidão que ocupou a Place de la Madeleine, bem como as ruas e avenidas adjacentes, apesar da chuva e do vento frio. Dali partiu grande cortejo que, ao som da Marcha Fúnebre de Chopin, acompanhou o féretro até a estação de Austerlitz. Os restos mortais de d. Pedro seguiram de trem até Portugal. O bilhete para o trem fúnebre, também impresso pela Maison Henri de Borniol, segue o padrão do convite para as exéquias: encimadopelas armas imperiais e tarjado de luto, refere-se ao monarca destituído como “Sua Majestade O Imperador do Brasil Dom Pedro II”. O monarca exilado foi vestido, velado e enterrado como imperador brasileiro. Adornado com os símbolos pátrios – a Ordem da Rosa, a Ordem do Cruzeiro do Sul, duas bandeiras brasileiras e um pacote com terra do Brasil – foi consagrado na morte. Suas falhas foram esquecidas; suas qualidades, exaltadas. Nessa ocasião, segundo Lilia Schwarcz, “morre o homem e nasce o mito”.
Os despojos mortais dos ex-imperadores d. Pedro II e d. Teresa Cristina permaneceram no jazigo da família Bragança, em Portugal, até 1921, quando foram transladados para o Brasil, no contexto das comemorações do centenário da independência. Esse momento foi caracterizado pela criação de um novo “panteão de heróis”, composto por monarquistas e republicanos. Sob tais circunstâncias, o herói popular d. Pedro II se transfigura num herói nacional. A imagem de um monarca enfraquecido, difundida nos últimos anos do império, foi olvidada. Em seu lugar, surge a imagem de um grande brasileiro, que muito contribuiu com o país.
Em 1939, com a presença do presidente Getúlio Vargas, os restos mortais dos antigos monarcas brasileiros foram transferidos para o mausoléu da Catedral São Pedro de Alcântara, localizada em Petrópolis. Esse evento, que representou o desfecho de um processo de conciliação entre o passado monárquico e a república brasileira, também é narrado pelo acervo documental do Museu Mariano Procópio. Durante uma visita à instituição, d. Pedro de Orléans e Bragança, neto de d. Pedro II, ofereceu a Alfredo Ferreira Lage, fundador do museu, um cartão produzido para a inauguração do mausoléu imperial. Nele consta um trecho do soneto de autoria do seu avô, intitulado “Terra do Brasil”, no qual d. Pedro escreve que sereno aguardaria no seu jazigo “a justiça de Deus na voz da história”. O conteúdo do cartão e sua incorporação ao acervo do Museu Mariano Procópio, assim como os documentos referentes às exéquias do ex-imperador, proporcionam reflexões sobre a história brasileira do final do século XIX e início do XX. Oportunizam, ainda, reflexões sobre a memória imperial – e institucional – narrada pelo museu.
Referências:
CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
FAGUNDES, Luciana Pessanha. Nos funerais de D. Pedro II: batalhas e incertezas na escrita da memória e da história da monarquia. In: Anais do XIV Encontro Regional da Anpuh-Rio, jul. 2010. Disponível em: <http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276724881_ARQUIVO_TextocompletoAnpuhRegional2010.pdf>. Acesso em: jul. 2021.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Priscila da Costa Pinheiro é graduada e mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professora da Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora. Atua como historiadora na Fundação Museu Mariano Procópio, dedicando-se à pesquisa e difusão do acervo arquivístico e bibliográfico da instituição.