SOBRE UMA EXPERIÊNCIA DOCENTE

Eis-me aqui, uma mera expectadora – no sentido da expectativa, de quem cria ou gera expectativas a partir de um incentivo visual e/ou sensorial, admiradora das múltiplas manifestações da arte como instrumento na promoção de possibilidades.

Ao me deparar com espaços, é viável à primeira vista, refletir sobre as relações criadas com nosso olhar. Nessa compreensão, entendo que o olhar seja resultante da minha própria interação com o contexto apresentado. Ou seja: na possibilidade de apenas descrever uma cena, um ambiente, uma paisagem, entre outros, sem que haja interferência subjetiva direta sobre essa descrição. Dessa forma, não atribuo nenhum juízo de valor sobre a situação amparado pela própria experiência artística. No entanto, é plausível também, expor uma cena, um ambiente, uma paisagem, uma situação pessoal fazendo uso dos recursos adquiridos a partir das vivências oportunizadas ao longo do processo empírico e afetadas por inúmeras realidades do campo da arte.

No campo dessas vivências compartilho uma proposta de análise em coletivo: de um lado, a docente – eu – que vivenciara o espaço e guardara em suas memórias cada instante de troca empírica para com a obra em questão, do outro, discentes, jovens, que não partilhavam do mesmo sentir. A proposta realizada tinha como finalidade pensar acerca das produções conceituais e revisitar conceitos aprendidos em sala de aula sobre os movimentos de Arte Contemporânea, servindo assim, de fixação do conteúdo e de deleite interpretativo.

Entre outras referências, Cildo Meireles com a obra Através (1938–1989) foi escolhido em meio aos meus arquivos e memórias que percorri ao montar o plano de aula. A obra foi apresentada sob uma folha de papel A4 com linhas e perguntas a serem desafiadoramente respondidas. Aberta enfim, a caixa das possibilidades.

Em um dado momento, propus a descrição primeira. O que seus olhos veem? E, com a inocência estética me responderam desconfiados: grades, “um pompom gigante” e pedaços de vidro. BINGO! Nem tão inocentes assim, começaram então uma fruição ora induzida por meus questionamentos, ora induzidos pelos seus próprios olhares e experiências. Ao apreciar de maneira mais compenetrada os detalhes descobriram que o “pompom gigante” era na verdade uma esfera coberta por plástico, quebra de expectativas – àquelas geradas por alguma indução visual ou sensorial. E então, reafirmaram algumas das características que nos remetiam diretamente ao movimento em questão outrora discutido em sala, uso de materiais industriais, mistura de linguagens, sensorialidade, visualidades, trocas, conceito: atravancamentos, dificuldades, objetivos, vida cotidiana, ARTE CONTEMPORÂNEA!

Segundo Lucy Lippard em A desmaterialização da arte (2013),

“Em segundo lugar, o tempo gasto olhando um trabalho “vazio” ou com um mínimo de ação, parece infinitamente mais longo do que o tempo preenchido-com-ação-e-detalhe. Esse elemento temporal é, certamente, psicológico, mas permite ao artista uma alternativa ou uma extensão do método serial.”

O aspecto da relação entre detalhes e tempo com a falta do primeiro, necessita-se da utilização do segundo em maior escala, visto que o “vazio” de um trabalho com mínimo de ação parece se relacionar de maneira mais incisiva com o espaço-tempo. A instalação lá posta nos permite simplesmente olhar, sem maior ação e ainda assim instigar a busca de atravessamentos por todo aquele caminho visual, fazendo uso do que mais nos faz falta em contemporaneidade, o tempo – período de momentos, de horas, de dias, de semanas, de meses, de anos etc. no qual os eventos se sucedem, dando-se a noção de presente, passado e futuro. –(https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/tempo)

Não obstante a ideia e o pensamento se misturam com a proposição de processo e ruptura com os ideais de obra de arte. Enraizados na crença de que arte igual a belo e genial, a arte conceitual aparece de forma a mostrar que arte é tudo àquilo que se propõe a ser arte independente de genialidades.

Arriscaria dizer considerando a tendência contemporânea de leitura da arte que não há uma verdade que se possa assegurar como única resposta a ser dimensionada, porque a riqueza da experiência deve tangenciar múltiplas reações sensoriais ou não. Incluindo, nesse sentido, efeitos diversificados. Por isso, concluo dizendo que a experiência aqui descrita, serviu para que juntos, discentes e docente, pudessem entender que algumas perguntas podem sim não ter respostas absolutas e, tudo bem (destaque da autora). Pois, diversas poderiam ser as interpretações, uma vez que a trajetória imagética e artística de cada um impacta diretamente na forma como a obra de arte te provoca.

Para tanto é preciso TRANS-BORDAR. TRANS-VER. TRANSCENDER. 

E aí? De que forma Através (1938–1989) te transborda?


Juliana Monteiro de Souza Dias é arte educadora, formada no antigo Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design (IAD – UFJF) e em Licenciatura em Artes Visuais(IAD-UFJF).


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