toda palavra é muito pouca para enristecer os meus dedos e os meus braços descamados pelo fogo ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀e as costas curvas ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀que abaularam os anos para meter os olhos no conforto alheio é muito pouca a palavra culpa arrastando pesos ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀fósseis que não estão no dicionário a palavra voz imagino como uma bola de cores em dor e calafrios nos ossos estico os dedos e as culpas e toco as culpas ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀agora com as pontas dos dedos e medos nas frestas da porta a palavra continua pontiaguda e difícil de descer sem miolo de pão encontro nisso a beleza de um bicho faminto pairando sobre as águas ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀feito verbo ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀declarando ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀nos dentes ⠀⠀⠀e nos ossos mastigados ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀todo o amor ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀da fome ⠀⠀⠀ pela morte que a sacia
Milena Moura é poeta, editora e tradutora. É autora dos livros Promessa Vazia (2011), Os Oráculos dos meus Óculos (2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021, no prelo), além de editora da cassandra, revista de artes e literatura voltada exclusivamente para o trabalho de mulheres. Integra também as equipes de poetas do portal Fazia Poesia e de colunistas da revista Tamarina Literária.