AVISO DE CONTEÚDO: Este trabalho contém fotografias de nudez sem censura.
SEX PARTS E THE COURSE OF THE SUN
Em 1977, Andy Warhol cria uma de suas séries mais famosas chamada Sex Parts, na qual o artista fotografa rapazes completamente pelados.
De acordo com um texto publicado no site The Andy Warhol Museum, o impulso para a criação de Sex Parts ocorreu quando um homem se aproximou de Warhol e gabou-se por possuir um pênis grande. Warhol, então, realizou várias fotos do corpo e genitália do homem e as guardou em uma caixa rotulada Sex Parts. Mais tarde, o artista decidiu, a partir daquelas fotografias iniciais, realizar uma série com outros modelos, que eram recrutados em saunas gays e em casas de sexo. Os modelos eram escolhidos pela aparência física: “escolheu representações perfeitas do ideal do corpo masculino da década de 70: homens com massa e musculatura bem definidas, rijos, de nádegas arredondadas e pênis grande” (KING, 1996, s.n.). Os homens eram convidados a relaxar, posar e até a participar de várias atividades sexuais enquanto Warhol os fotografava com uma câmera de 35 mm e uma Polaroid Big Shot.
Figuras 1 e 2 – Sex Parts. Andy Warhol. Fonte: Artsy (1977).
Nestas imagens, por exemplo, e em toda a série, o foco do olhar de Warhol é direcionado a recortes específicos do corpo masculino, como os torsos, as nádegas, o pênis. Esse olhar que percorre o corpo masculino desnudo reforça o sentido da homoerotização. Para Bataille (1968), existem sinais anunciadores do erótico que vão ser percebidos por quase todos os sentidos: olfato, visão, paladar e audição. Esses sinais caracterizam o objeto erótico. “Uma mulher bonita nua é, muitas vezes, a imagem do erotismo. O objeto do desejo é diferente do erotismo, não é o erotismo total, mas o erotismo passa por ele” (BATAILLE, 1968, p. 116 apud OLIVEIRA, 2012, p. 43).
Figuras 3 e 4: Sex Parts. Andy Warhol. Fonte: Art Blart (1977).
Como prediz o título do trabalho, Sex Parts, Warhol enfatiza partes determinadas do corpo masculino que ressaltem a sexualidade. O rosto poucas vezes é mostrado, o que pode divergir com o conceito de “retrato”. Entretanto, admitimos o gênero retrato para essas imagens por podermos facilmente percebemos o que está no centro da imagem: o corpo humano. Não há nada mais além dele.
A técnica artística empregada por Warhol de enfocar apenas nas nádegas ou genitálias torna o corpo masculino em um objeto sexual, pois, ao deixar de lado a cabeça e a maior parte do corpo, mas, principalmente, por esconder os rostos dos modelos, coisifica o corpo do homem, perde a sua individualidade, guiando nosso olhar para uma única leitura possível. É importante ressaltar que, de acordo com King, Sex Parts foi criado em um período onde se viu um aumento dramático da presença social e política gay nos Estados Unidos e que com o lançamento dessa série que Warhol declarou abertamente sua sexualidade.
Outro artista importante é Alair Gomes, considerado um dos precursores da arte homoerótica no Brasil. Nascido em 1921, no Rio de Janeiro, Alair foi fotógrafo, professor, engenheiro e crítico de arte. Em 1966, começa seu trabalho fotográfico com os jovens na praia carioca.
As numerosas fotografias de Alair se ocupam extensivamente do corpo masculino. Como mostra Aline Ferreira Gomes (2017), de acordo com o próprio artista, essa avalanche de imagens[1] é uma possibilidade simbólica de posse do objeto fotografado. Susan Sontag afirma: “Colecionar fotos é colecionar o mundo […] com fotos, a imagem é também um objeto, leve, de produção barata, fácil de transportar, de acumular, de armazenar” (2004, p. 13). Assim, Alair Gomes com a sua enxurrada de imagens apreende um objeto: o corpo masculino.
Grande parte das fotografias do artista foram feitas em espaços abertos, sem os modelos saberem que estavam sendo fotografados. Em 1977, Gomes começa uma série intitulada The Course of the Sun. Com a utilização de uma câmera com lentes de longo alcance, Alair, da janela de seu apartamento, fotografa os rapazes que passeiam pela orla da praia de Copacabana. Dessa forma, os corpos se apresentam a nós oblíquos ao chão. O espectador ganha a visão de Alair, nos dando a sensação de estarmos posicionados exatamente onde ele estava. As sombras dos rapazes ganham importância devido ao espaço que elas ocupam e a forma que elas tomam. Em diferentes tons de cinza, elas se combinam com as particularidades de materiais como as pedras da calçada.
Figuras 5 e 6: The Course of the Sun. Alair Gomes. Fonte: Acervo Biblioteca Nacional – RJ (1977-1980)
Para Ferreira, a quietude e mudez da fotografia pode limitar o seu potencial narrativo para apenas a alusão ou sugestão. Entretanto, quando ordenadas em um modo sequencial, esse potencial narrativo recupera sua expressividade. Ainda assim, não conseguimos ver narrativa na sequência dessa série. A passagem do corpo pelo espaço-tempo nas fotografias não constitui uma ação de encontro ou partida entre os corpos, muito menos saída de algum lugar. São repetições de situações bastante semelhantes entre si.
Como dito, nenhum desses rapazes tinha a consciência de estar sendo fotografado. Por esse motivo dá para perceber a naturalidade dos rapazes. Esse voyeurismo na obra de Alair potencializa o caráter homoerótico em suas fotografias: “Dentro do universo genérico da ‘fotografia de autor’, sua obra construída a partir do voyeurismo de forte cunho homoerótico, ainda aguarda – mesmo no Brasil – uma avaliação mais profunda” (CHIARELLI, 1999, p. 142 apud GARCIA, 2012, p. 141).
Figuras 7 e 8: The Course of the Sun. Alair Gomes. Fonte: Acervo Biblioteca Nacional – RJ (1977-1980).
[1] As séries fotográficas de Alair costumavam ser compostas por numerosas imagens. Por exemplo, a série The Course of the Sun conta com 7.700 fotografias.
Ihan de Abreu Leite Peixoto é graduando em Letras Português/Espanhol da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Grupo Visada.