Não é novidade que a proibição da maconha é um problema em vários países; mas ao observarmos os retrocessos políticos e sociais sofridos pelo Brasil pelo atual governo, percebemos que esse não é um problema novo e que está longe de ser resolvido. Nosso país foi um dos primeiros lugares do mundo a criminalizar o uso da planta – que era muito utilizada pelos negros ainda na época do escravismo. Em 1830, é sancionada a Lei do “Pito do Pango” no Rio de Janeiro, e assim começa o encarceramento em massa da população negra no Brasil.
Apesar da sua proibição, o uso da maconha nunca foi erradicado – nem no Brasil e em nenhum lugar do mundo – e sua legalização sempre foi um desejo presente ao longo da história. Um exemplo que marca esse desejo popular é o bloco de Olinda Segura a Coisa, sendo um dos blocos mais tradicionais da cidade reúne os entusiastas da maconha desde 1975.
Não é exagero falar que grupos e organizações como o Segura a Coisa, Planet Hemp e a Marcha da Maconha percorreram um longo caminho para que hoje possamos falar abertamente sobre maconha, além de ajudarem a dissipar o preconceito ao redor dessa plantinha. De acordo com a pesquisa EXAME/IDEIA, 78% dos brasileiros são favoráveis ao uso medicinal de cannabis.
Na época da proibição a nível federal da maconha, em 1938, influências externas agiram em favor da proibição. Por que, então, não usar das mesmas artimanhas em um processo de legalização?
O mundo presencia um fenômeno de países e estados legalizando a planta e trazendo melhoras não só em âmbitos sociais, mas também permitindo o andamento de diversos estudos relacionados aos impactos socioeconômicos da legalização e também aos usos possíveis da maconha e de suas propriedades. Exemplo disso é que, graças a estudos (que agora não precisam lidar com todo o tabu anteriormente atribuído à maconha), descobrimos que seu consumo pode prejudicar o desenvolvimento neurológico de usuários menores de 19 anos (um alerta com muito mais credibilidade do que o mito de que maconha queima neurônios, não!?).
Por estes e mais tantos aspectos, discussões tangendo a legalização nunca viveram um momento tão propício para que cada vez mais usuários e entusiastas de um “cigarrinho de artista” botassem a cara a tapa e trouxessem o tema para diversas áreas como estudo, trabalho, artes, cotidiano e até mesmo moda – e posso dizer que sou cria desse movimento ao lançar a Renegada 42, uma marca de roupas que procura agradar o gosto dos usuários de maconha que não se sentem confortáveis usando uma roupa com referências explícitas, ou que sabem que a onda da maconha é sobre mais do que apenas dizer que fuma – mesmo que se permita, vez ou outra, explanar um pouco, porque também não há mal nisso.
A forma como nos vestimos é não só uma forma de expressão pessoal, mas também a expressão de uma geração como um todo. A mudanças no nosso vestuário sempre acompanham as mudanças do nosso estilo de vida e no mundo em geral.
O grande desafio de fazer uma marca de roupas que capturasse aspectos subjetivos dos usuários de maconha – como dialetos, piadas internas, gostos, e sentimentos – não foi apenas transformar em vestuário signos tão únicos e que muitas vezes não são visíveis, mas também criar o sentimento de uma comunidade diversa que se recusa a ser resumida apenas como meros usuários.
Apesar de a moda ter um peso enorme em aspectos sociais e culturais para seus usuários, as marcas em geral enfrentam o desafio de criar coleções que ao mesmo tempo que se destaquem e possam agradar a todos, o que faz com que muitos produtos não tenham um valor agregado além do próprio objeto de consumo. Essa realidade não é algo que pode ser comum para o maconheiro, porque o maconheiro que não tem consciência do mundo ao seu redor não consegue agir em favor de sua própria causa.
Pensando sobre consciência e voltando a falar sobre legalização, é importante que tenhamos frieza para entender que, no atual momento político, argumentos científicos ou sociais embasados são sumariamente ignorados; assim, o que nos resta é demonstrar o poderio econômico que o consumo de maconha legalizado possui e usá-lo a nosso favor. Quanto mais consumimos artigos desse meio (e aqui me refiro a todos os produtos que fazem parte da cultura da cannabis, e não à maconha em si, uma vez que comprar e consumir a erva não é fator sine-qua-non para ser a favor da legalização), mais nos tornamos uma força político-econômica, e consequentemente fortalecemos projetos que estão em discussão no legislativo e podem melhorar nossas vidas em diversos aspectos – como a regulamentação do CBD ou do cânhamo, que possuem tantas aplicações que merecem uma discussão a parte.
Termino esse texto fazendo um convite a todos os maconheiros que leram até aqui para que, na medida do possível, se desafiem em seu círculo social a se abrirem sobre sua identidade e a levarem luz para uma discussão tão complexa e necessária como a maconha. Toda ajuda é bem-vinda para nos livrarmos de estigmas e preconceitos que tanto puxam nossa sociedade para baixo!
Rafael Bara é militante e empresário do ramo canábico, fundador e diretor geral da Renegada 42.