Particularmente, eu sempre vejo com uma admiração e grandeza imensa o ato de saber envelhecer envelhecendo de fato, talvez seja porque ainda não sou velho, mas, isso de amadurecer adquirindo a plena ciência de que esse é o movimento biológico mais inevitável que existe, para mim, é admirável, apaixonante, acho que o processo de viver é sobre isso.
Assim sendo, eu costumo situar uma série de artistas que são bastiões de nossa cultura – e que de alguma forma seguem esse espectro: o que pretendo me desdobrar hoje é o Caetano.
Tal qual aquela música “Eu nunca fui a Bahia/eu nunca fui a Salvador/mais um dia que a gente não troca calor/não me preocupa/alguém por aqui me mostrou… Caetano Veloso”, Caetano é algo com que nos deparamos na vida; podemos escutar sua música ou não, há de existir um momento em que nos deparamos com ele, seja na instância da escrita, da música, da política ou da literatura – pois tem dessa também, Caetano é pau pra toda obra, um Ser-fazer completo.
O seu último disco, lançado em pleno 2021, “Meu Coco”, traz um pouco do que aparentemente tem rondado a cabeça dele, e é justamente aí que eu situo a questão do envelhecimento e do reconhecimento do quão belo é se (re)conhecer na senilidade. Caetano não poderia ser mais atual, mais assertivo, mais clarividente e consciente. Seguido disso, fica claro que em uma carreira em que de tudo já se viveu um pouco, o que de Caetano tinha de amadurecer e se firmar já está por assim dizer, resolvido; por isso, enxergo que ali estaciona as impressões de um guardião musical de nossa nação. As letras que se inserem facilmente na cabeça de todos nós que vivemos nesse mundo caótico de 2021, ganha um ar de Caetano ao passo dele nos situar em seu “coco” de quase 80 anos. Desde questões ancestrais ao advento de viver ondas políticas tão díspares (e infelizmente semelhantes) ao longo dos anos.
Por si só, o disco se sustenta como um prolongamento do ethos caetanístico que está aí desde os tempos de tropicália, mas tal qual a assimilação válida a própria vida pessoal dele, o disco conta uma história que remete a um paralelo, que não espantosamente se cruza ao longo dos sons e das letras: o Brasil e Caetano Veloso. Isso posto, para além de entender o disco como um dos principais de 2021, gostaria de me reter a uma outra questão.
Me vem à mente aquela velha balela de “passagem de bastão” dos bastiões da música para a nova geração, o que se soma ao ideário novo de que existe uma suposta existência “nova MPB”. No disco, Caetano em diversos momentos reverencia de modo universal a música, em destaque – obviamente – a brasileira; em questão de sonoridade passeia-se por ares árabes, sertanejos e até mesmo beat de funk! Pois é, ele fala de Bethânia, João Gilberto, Djonga, Jorge Ben, Djavan, Simone e Simaria findando em Billie Elish.
Portanto eu penso: Qual o limite entre uma exaltação do que existe e tem pra existir? Ao passo que diversos bastiões estão na segunda etapa de sua velha-idade ainda produzindo vigorosamente, e de forma original belas canções, belos versos e melodias – que brotaram numa mente de 80 anos, e que muito provavelmente poderiam brotar na mente de quem tem 20, 30, 40. A significância na passagem de bastão não está propriamente na exaltação de uma vida inteira em perspectiva com o velho e o moderno. Está muito mais conectado em um momento, ao momento agora, quase mais como um marco espaço/temporal/histórico. Não estou dizendo que seja irrelevante marcar a música por sua temporalidade, muito pelo contrário, o brilhantismo da separação das gerações é situá-las em dado momento, cada momento conta uma história única e própria: do social e do individual. Contudo, gerações de pessoas que fazem música estão apontadas para além de um legado ou de um momentum, estão contidas no infinito que é aquela mente específica enquanto produz e se faz. Por tanto, penso que “Meu coco” não é uma alegoria de passagem de bastão ou uma exaltação do que foi ou o que deixou de ser. Caetano Veloso, em sua grandiosidade, sabe reconhecer o fato de que é momento, é vida acontecendo em suas canções alocadas nesse século e no século passado. É saber reconhecer os “Os anjos fronchos do Vale do Sílicio” e a perversidade virtual da atualidade, esticando isso até na reverência da ancestralidade dos verdadeiros detentores da terra desse país: o povo indígena. Certamente Djonga, Gal, e outros que perpassam o ideário de música brasileira sabem disso também, cada qual ao seu modo, e não interessa em nenhum momento ruptura temporal, ciclo de gêneros ou pensamentos em torno da arte/música. Alocando a digressão sobre o disco em específico com minha crença mística da arte tomando posse do artista, acredito que ambos resvalam em uma coisa central: é sobre ser brasileiro, uma coisa única e imutável em todo nosso processo de vida e morte.
Juliano Dias Guimarães é Bacharel em Ciências Humanas e graduando em Ciências Sociais pela UFJF. Amante dos bons sons e de cultura pop chinfrin.