Into the Wild: A Liberdade Está Aqui

Contém spoilers.

Christopher Mccandless foi um viajante norte-americano que morreu dentro de um ônibus abandonado no parque nacional de Denali, no Alaska, depois de caminhar por dois anos sozinho na selva da região ,com pouca comida e quase nenhum equipamento.

Essa é a primeira frase na Wikipedia que pretende descrever o jovem que teve sua vida retratada no filme: Into the Wild, de Sean Pen, inspirado na obra literária homônima do jornalista Jon Krakauer. O texto, traz, de maneira resumida, a biografia de Chris e a influência que sua figura como Alexander Supertramp deixou como legado. A bem da verdade, o verbete basicamente aponta sua trajetória como irresponsável, egoísta e superficial, contrapondo com alguns lampejos de inspiração, denotando uma visão conservadora do autor deste pequeno texto na wikipedia em relação à vida de Chris.

Bem, se você já viu este filme, é provável que tenha uma visão contrária, inspiradora e revolucionária de Chris, e, talvez, até perceba em sua trajetória como Supertramp, o despertar para questões que se acomodaram em nossa sociedade. Pois então, vamos confrontar as duas visões?

Não pretendo aprofundar os conceitos tratados pelos autores citados para que o texto não seja mais denso do que o habitual, no entanto, tratando-se de cultura, na pós-modernidade, cabem algumas considerações de alguns autores.

De acordo com Bauman (1925 – 2017), citando um argumento de Levinas (1906-1995) em Vida para Consumo – a transformação das pessoas em mercadoria, (2007):

“a sociedade é vista basicamente como um dispositivo para reduzir a responsabilidade pelo outro, essencialmente incondicional e ilimitada, a um conjunto de prescrições e proscrições mais de acordo com a capacidade humana de se arranjar.”

Pode parecer complexo em uma leitura despretensiosa, mas veja bem, o que realmente está sendo tratado aqui é que existe uma tendência humana a se arranjar socialmente dentro de suas limitações para sobreviver, e que, assim, a sociedade é uma ferramenta que tem a finalidade de reduzir nossas responsabilidades individuais sobre os outros através de, digamos, regras de convivência. Isso para um filósofo de meados do séc XX. O que é ruim.

Por outro lado, Bauman diz que este argumento teve sua credibilidade solapada pelo consumismo exagerado no século XXI. Ele argumenta que, entre outras coisas, existe um processo em expansão que libera, cada vez, mais algumas parcelas da sociedade (que optam por outras possibilidades de explorar a conduta humana), da padronização, da supervisão, e do policiamento explicitamente sociais. Este processo acaba relegando um conjunto crescente de responsabilidades antes socializadas ao encargo de indivíduos. De maneiras diferentes, mas pela mesma razão. O que me lembra Marcuse. E é ainda pior.

Sendo assim, além de sermos coagidos a adotar alguns comportamentos, somos, ainda, estimulados a adotar tantos outros, como se essas escolhas fossem realmente nossas. Como se a luta para desmantelar o sistema, não fosse uma estratégia do próprio sistema para fazer você acreditar que não está contribuindo para que ele se mantenha fortemente estabelecido.

Eu sei, parece uma coisa meio “conspiracionista”. Mas voltemos para o filme.

Em Into the Wild, ou no bom português, Na Natureza Selvagem, Chris abandona sua família (exemplo perfeito da família nuclear moderna) e embarca em uma aventura de auto-conhecimento, em busca da experiência mais verdadeira de liberdade e felicidade.

Acontece que, em sua trajetória – inspirado, entre tantas outras coisas, pela leitura de clássicos como Jack London, Henry David Thoreau e Tolstoi – Chris encontra várias outras pessoas com as quais se identifica, e nessas amizades, a semente da grande conclusão final é plantada.

Então, muito distante dessas pessoas e da sociedade, ele se percebe igualmente distante da verdadeira felicidade, e a fatídica frase: a felicidade só é real compartilhada, é escrita por suas mãos fracas nas entrelinhas de um dos livros que o inspirou, denotando a profundidade do entendimento que a liberdade o ofereceu.

Mas essa não é a parte mais importante do filme para mim.

Nas cenas finais, o filme retrata Chris refletindo sobre sua trajetória por meio de uma cena que apresenta, para mim, a parte mais importante do complexo raciocínio.

Na beleza da epifania da vida diante da morte, Mccandless encontra o que realmente procurava, e, antes de abandonar a existência, após concluir que a felicidade só é real compartilhada, podemos entender que Chris percebeu que muitas vezes nossas buscas são esvaziadas de sentido quando nos damos conta daquilo que realmente importa para nós.

Imaginando-se retornando para casa e encontrando seus pais, uma emblemática frase pleiteia a dúvida sobre as suas acepções de liberdade e felicidade na esfera individual.

“Se eu estivesse sorrindo, e correndo para seus braços, vocês poderiam ver, o que vejo agora?”

Assim, a liberdade se torna o caminho mais eloquente em busca daquilo que é verdadeiro e profundo na existência humana. Que ademais da regulação normativa e de todas as estratégias sistêmicas de coagir e estimular nossas ideologias e modos de viver, existe algo que é essencial à cada ser humano, que pode ser encontrado nos confins remotos da natureza em uma experiência solitária, mas que, na realidade, muitas vezes não precisamos ir tão longe para perceber o que de fato é real, profundo e verdadeiro para experimentarmos o que é a felicidade de fato.


Frederico Lopes é Artista e gostaria de ser Escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.


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