Falar em alfabetização estética implica em reconhecer na condição humana uma necessidade de encontrar, na expressão de suas atividades, algo atraente, provocante, Belo. Ademais das teorias da filosofia da Arte acerca das definições do que é Belo ao longo da História, uma coisa podemos afirmar: existe uma inquietação que busca sentido na beleza, portanto, carece de, ao percebe-la, conceber possíveis definições.
Admitindo que a Arte tenha sua origem nos mais primitivos processos de criação, a projeção da percepção humana para o mundo das coisas físicas contribuiu para o despertar de novas concepções sobre a vida, inaugurando a consciência da própria existência, situando o conceito de Cultura como o entendimento mais amplo das ações humanas.
Como linguagem, essa cultura, ainda embrionária, foi estabelecendo critérios estéticos em rituais e cerimônias, contribuindo para que as noções de beleza se firmassem como algo concreto e necessário. Nesse sentido, a representação se tornou uma inclinação natural para o ser humano, sobretudo por sua necessidade de constituir elos cognitivos e socializar narrativas. Por outro lado, os vestígios mais antigos da existência humana na Terra aos quais temos acesso, revelam como lastro, a fragilidade do homem em seu desconforto com a natureza.
Talvez por este motivo, podemos supor que a produção de adornos, acessórios, objetos e indumentárias ornadas, fosse um modo de pavimentar um caminho para representação do sagrado, substituindo cavernas e abrigos naturais pela arquitetura de suas casas, templos e pequenos centros comerciais, o que favoreceu um isolamento cada vez maior do meio natural.
Sem a pretensão de detalhar todo processo de desenvolvimento histórico e cultural da humanidade, podemos dizer que, dai pra frente, o ser humano se estabeleceu através de um empilhando convenções acerca de tudo o que pudesse tocar sua percepção, e, no caso da Arte, técnicas, faturas, materiais e procedimentos diversos foram responsáveis pela expansão do campo da representação, construindo em sua história o reflexo deste ser que vive em sociedade.
E assim seguiu o homem através das distintas temporalidades históricas, apoiando-se sobre convenções que se consolidavam e criando tantas outras rumo a complexos sistemas políticos e econômicos, hierarquizando conceitos e atribuindo valores múltiplos até os dias atuais. E é neste ponto que vamos falar sobre a alfabetização estética.
Distante do raciocínio estrutural da produção de sentido estético, a cultura de massa, instituída e alimentada pela industria cultural, condiciona as pessoas a reconhecer padrões simplificados de composições visuais, diluindo possibilidades mais complexas em meras peças publicitárias.
O grande problema dessa discussão é confrontar-se com noções estéticas que foram construídas e consolidadas por um processo que esvaziou de sentido as pesquisas das Artes enquanto campo do conhecimento, substituindo obras de arte por conteúdos pasteurizados, simplificados e industrialmente trabalhados para vender produtos, ideias e comportamentos. Tratar de qualquer objeto visual com o olhar crítico é afrontar uma demanda comercial sobre este objeto, e propor alternativas fora dos padrões estabelecidos, é incidir diretamente sobre o aspecto social da Arte, e digamos que confrontar os interesses do Mercado é um belo desafio (com o perdão do trocadilho).
Sendo assim, é possível entender que toda a progressão humana que apontava para um desenvolvimento de sua percepção visual na esfera estética, acabou tomando outro rumo, tornando-se restrito apenas à pesquisadores das Artes e áreas afins, modificando o sentido da necessidade da Arte no senso comum, reduzindo-a à seu aspecto utilitário. Este é um problema que promove construções de raciocínios e argumentos alicerçados em padrões estéticos de “gosto”.
Por esse motivo, é muito importante frequentar espaços dedicados à Arte, como museus, centros culturais, teatros, memoriais e galerias de Arte. Frenquentar espaços que fomentam a produção artística e cultural é aceitar se expor à proposições artísticas que são capazes de ampliar suas definições conceituais e desenvolver sua percepção estética. Este é um caminho para evitar que nossas noções estéticas sejam formadas a partir de imagens publicitárias, programas de televisão e mídias sociais. Aumentando nosso alfabeto visual, podemos criar condições de identificar outras maneiras de organizar estruturas visuais e expandir nosso repertório estético.
Em linhas gerais, é importante reconhecer que outras possibilidades de identificar, discernir e ser tocado por algo Belo, estão condicionadas à maneira como desenvolvemos nossa percepção e sensibilidade e, como consequência deste desenvolvimento, aos poucos, as estruturas simplificadas se tornam cada vez mais aparentes, e os objetivos por trás da sua elaboração ficam em evidência.
Mas, veja bem, isso não é uma crítica à simplificação de produção de imagens para o meio publicitário. É uma crítica à impossibilidade de construir outras noções estéticas ao consolidar o produto dessa percepção como única referência.
Frederico Lopes é Artista e Escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.