Notas do Autor
O formato de organização de conteúdo por mapas mentais é praticamente a base estrutural do texto, onde se conectam conceitos, eventos, referências e ideias diretamente entre si, ao passo que são introduzidos ainda fenômenos que fazem parte da experiência vivida. Aproveitando o conceito de paralaxe trazido nessa literatura, que é mostrado na própria estrutura do texto por meio das constantes mudanças de perspectiva e olhares que a arte de rua podem proporcionar. Uma dinâmica no olhar que precisa ser desprendida, garantindo uma imersão no texto.
Le mot ‘sabotage’ n’était, il y a encore une quinzaine d’années qu’un terme argotique, signifiant non l’acte de fabriquer des sabots, mais celui, imagé et expressif, de travail exécuté ‘comme à coups de sabots’. Depuis, il s’est métamorphosé en une formule de combat social et c’est au Congrès Confédéral de Toulouse, en 1897, qu’il a reçu le baptême syndical. (POUGET, Émile. Le Sabotage. 1911, p. 3).[3]
Se você também não domina o idioma francês como eu, repara nessa sugestão de tradução:
A palavra sabotagem era, quinze anos atrás, apenas uma gíria, significando não o ato de fazer cascos, mas a expressão expressiva e imaginativa do trabalho feito com ‘tiros de cascos’. Desde então, ele se transformou em uma fórmula de combate social e foi no Congresso Confederal de Toulouse, em 1897, que recebeu o batismo sindical.
[A página original está disponível aqui. Acesso em 25/11/2018].
É fácil encontrar alguma literatura sobre a história dos trabalhadores que jogavam seus sabots (tamancos) nas máquinas para danificar as engrenagens. Essa talvez seja a teoria mais indicada de como surgiu o conceito de sabotagem: a prática dos empregados de resistências aos meios de produção abusivos vigentes no período.
Pra mim é quase impossível ler essas notas sobre a etimologia de “sabotagem” e não receber a memória de músicas de um grande sabotador cultural:
Mauro Mateus dos Santos Filho (São Paulo, 3 de abril de 1973 — São Paulo, 24 de janeiro de 2003), mais conhecido pelo seu nome artístico Sabotage, foi um rapper, cantor, compositor e ator brasileiro. Mauro, pai de 3 filhos, nasceu na Zona Sul de São Paulo, onde, depois de ter sido assaltante e gerente de tráfico encontrou a saída no rap, entrando na música e percebendo o seu verdadeiro dom. A origem do apelido Sabotage deu-se por estar sempre conseguindo burlar as leis com tremendo êxito, como entrar em bailes, festas e boates sem permissões, e saindo ileso de inúmeras confusões. Uma associação nada casual.
Nessa leitura biográfica, fica claro a diferença no emprego da palavra “sabotage”, mas convido a um exercício filosófico orientado por Slavo Zizek, a paralaxe.
Nosso objeto em questão é uma entidade que contrariou as expectativa sociais e proporcionou uma obstrução cultural (gesto que assemelho a contracultura) por produzir um legado continuado de reflexão e amadurecimento intelectual sociopolítico dos que interagem com a obra.
um rapper de periferia que sabotou vários sistemas que o cercavam, fazendo barulho.
por meio da resistência e da sabotagem cultural, A atuação de Sabotage deu força e visibilidade à dimensão social em que se inseriu.Esta dimensão social tem sua própria fonte de cultura e se relaciona em outros aspectos de identidade consolidada na sociedade contemporânea com o Hip-Hop. Iniciado nos EUA, ainda que observe-se gestos simultâneos e similares no Brasil e em outros lugares do mundo contendo suas singularidades.
PARALAXE
medida da mudança de posição aparente de um objeto em relação a um segundo plano mais distante, quando esse objeto é visto a partir de ângulos diferentes. Ou seja, o objeto permanece imóvel, contudo parece mover-se. Esse fenômeno óptico, relativamente simples, torna-se método e guia para a teoria do Filósofo esloveno Slavoj Žižek.
Interessante o emprego dessa teoria para observar o fenômeno que a cultura urbana proporcionou à sociedade contemporânea: resistência; empoderamento de classe em contrapartida aos prejuízos patrimoniais; e, talvez a mais perigosa de todos os danos para o sistema, a ressignificação ideológica; entre outros impactos.
Convido a observar as distintas culturas (pixação e graffiti) reagindo de forma similar à opressão e descaso do estado às periferias. Um gesto oportuno que configura essa expressão de resistência é o graffiti, um fenômeno que se destacou nas periferias de Nova York como demarcação de territórios entre gangs e rapidamente usado como suporte de expressão artísticas de jovens. Enquanto, no Brasil, um fenômeno similar nascia com a mesma intenção transgressora, a pichação. Enquanto lá se miravam os trens que veiculavam pelo Broklyn,(…) em São Paulo se mirava a arquitetura de prédios, da fachada de entrada ao topo.
Por mais que “forcemos” nossos olhos para esses dois fenômenos na busca de extrair tudo que pudermos, ainda precisaremos nos deslocar e mudar de posição sobre nossa perspectiva, um exercício que o MC Sabotage expressou na sua essência por intermédio do Rap com músicas que falam da condição social da periferia, dando voz e ascendendo a realidade com sua própria interlocução.
O Hip Hop se tornou uma via de resistência cultural e inspirou a elevar essa luta pras ruas pela pintura onde o jovem pode estar presente participando da transformação da cidade, modelando a informação dos esgotos aos arranha céus.
Essa ação trata-se de defender a importância da universalidade. Em tempos de relativismo, de multiculturalismo e de multiplicidade de pontos de vista, Žižek usa a noção de paralaxe para pensar a unidade da existência e a necessidade de um universal que não seja coercitivo ou mera reunião de figuras particulares. “O Ser é diferença, elevada à dignidade de universal. O respeito às particularidades são extremamente necessário para coexistir e continuar o ideal universal, pois ideologias que usam de machismo, racismo ou qualquer tipo de reducionismo conspira pelo desenvolvimento harmônico da humanidade.
Nada além do trivial ver jovens buscando empoderar-se do espaço político em que vivem, da maneira a que se faz em sua dimensão social, como previa Carlos Drummond,
Acredito que:
Pixa-se aquilo que foi pichado, ou seja, ocupa-se os espaços esquecidos e/ou usados de maneira desinteressada à sociedade pelos os olhos do artista. Para pixadores, um muro cinza tem o efeito oposto do “espaço em branco” em um quadro.
O “cinza” nas ruas é o anti respiro.
A pixação é a arte que ficou por muito tempo fora das galerias. Quando, em 2008, isso foi interrompido e vivemos o momento de estudo dessa arte por parte das academias artísticas pelo mundo afora. Vide a Bienal de Berlin de 2012 que se sacudiu recebendo uma turma de pixadores como principal atração do evento.
Com força e expressão para transformar, a vivência na pixação modifica o olhar, desloca o que se considera seu lugar e indaga sua ideia de espaço urbano público ou privado, além do conceito de sociedade universal. Uma experiência que desafia o ego e a perspectiva disruptiva de impacto social:são vidas com suas cotas de opressão que afrontam e expressam suas intenções, desenhando um cenário com dados etnográficos que podem ajudar a decifrar o comportamento social do local.
Os muros de uma cidade gritam dados e informações para os que passam ali. Algumas informações que essa textura gráfica indica na cidade:
_ Nível aparente de participação e manutenção dos Gestores e Autoridade;
_ Nível e modelo aparente de controle da ocupação da cidade por parte das autoridades ( algumas cidades aplica uma pena por multa variável de R$1000,00 a R$9000,00 com distintas formas de efetivar essa pena);
_ Nível aparente de cultura fomentada na região, etc;
Sendo o Graffiti e a pixação movimentos que se estabeleceram em todas as classes, com praticantes de variados níveis econômicos, tem-se a comunicação de forma direta com os diversos espaços urbanos pertencentes à diferentes contextos. A arte de rua pode ter muitos pontos focais e o que mais vale nesse segmento artístico/político é se permitir enxergar seja ilegível ou aparentemente sem sentido, pois existe muita coisa por entre essas expressões urbanas. É necessário inquietude para ver de outro ponto e entender as diversas faces do que se observa.
Iury Borel é mineiro com formação acadêmica que coexistiu o erudito e marginal, formou-se pichador e desenhista industrial pela Universidade Federal do Espírito Santo, mas prefiro resumir como ativista gráfico. Acredita na arte como meio de transformação e empoderamento do ser e de comunidades. Logo que inserido nos movimentos de arte de rua, buscou o relacionamento do dualismo presente em sua trajetória, coexistir o erudita acadêmico com o grafista marginal. Propulsor e criador de ideias como CinePixo, Oficinas de Tobograffiti e Artefatos da Arte de Rua que propõem uma visão empírica para mostrar as entrelinhas da arte urbana.Vive de design e pintura.
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